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21-12-2013        Jornal de Notícias

Estava Paulo Portas a dar corda ao relógio da “saída do programa” e vem Mario Draghi anunciar que “é muito cedo para fazer previsões sobre quando é que Portugal poderá sair”. Andava o governo português a dizer-nos que só lá para janeiro iria iniciar a negociação sobre a dita saída, e vem Mario Draghi dizer que dificilmente o nosso país pode passar sem um novo programa. Significa isto apenas que nos andam a esconder negociações que já começaram? Talvez não! Por certo, os significados destes desconcertos exigem outras leituras. É claro que na União Europeia (UE) já começaram a escrever o novo programa para Portugal. Talvez o governo português nem saiba. Pouco importa a Mario Drahgi. Ele considera-se governador de Portugal e age como tal com toda a naturalidade.

Assistimos todos os dias a episódios como este. O inimaginável está a tornar-se real: um governo português que pensa e age como um serviçal submisso; uma União Europeia praticamente convertida em potência colonial – lugar de onde se ditam as políticas, com total desprezo pelas escolhas políticas e pelos interesses e anseios dos cidadãos de cada país. E não se pense que quem atualmente manda na UE, quer ditar as políticas apenas aos países sujeitos a resgate. Quem manda, quer mesmo mandar em tudo e todos.

Merkel no seu discurso de tomada de posse do governo, em que leva à arreata os social-democratas alemães, exigiu alterações aos tratados da União Europeia. Ela acha que os tratados não asseguram, de forma suficientemente clara, as condições para a “coordenação” das políticas entre Estados-membros. Ela considera, para sermos claros, que os tratados não lhe dão carta-branca para determinar as políticas país a país. Ela entende que com estes tratados ainda há espaço para alguns resistirem ao plano suicidário de “estabilização do euro” com austeridade, desvalorização do trabalho e privatização de tudo. Por agora, Merkel não tem outra proposta que não seja explorar dívidas e défices do “Sul” para manter o superavit do seu “Centro”.

A austeridade, está agora claro, não é a inevitabilidade que apregoam. Fosse a União Europeia o que não é, ou seja, fossem os governos dos países da UE governos progressistas, com programas e práticas de compromisso com os seus povos, dispostos a não se submeterem a imposições especulativas e à ganância do poder financeiro e económico, e há muito estaríamos a sair da crise. É óbvio que essa saída da crise teria perdas para os grandes acionistas do sistema financeiro, que aliás esteve na sua origem, mas propiciaria ganhos a quase todos os cidadãos europeus.

Para a ínfima minoria em nome de quem a UE é governada – o um por cento que detém a mais grossa fatia da riqueza e do rendimento – a crise está a ser uma oportunidade. A oportunidade de, em nome da necessidade de medidas “técnicas” e “transitórias” para “corrigir” os exageros e criar “equilíbrios” entre a riqueza que produzimos e a que gastamos, agir sobre o modelo social e político, descaraterizando-o e alterando-o estruturalmente, em particular através da desvalorização e da desproteção do trabalho e de um fortíssimo ataque à dimensão social do Estado e à democracia. A austeridade em curso é todo um programa, uma forma de economia política – a economia política da consolidação do poder do capital financeiro.

Um poder tão concentrado nos interesses de tão poucos, como é aquele que temos em Portugal e na UE, pode enganar muitos durante algum tempo, mas não pode engana-los sempre.

A decisão do Tribunal Constitucional adotada há 2 dias, por unanimidade do seu coletivo, sobre a convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, na sua forma e substância, é um sinal claro de que o Estado de Direito Democrático tem de ser salvaguardado para que exista tempo de futuro. Foi comprovado mais uma vez, que o governo se comporta como um indivíduo que sistematicamente infringe a lei. Deixá-lo continuar a agir livremente é perigoso.

O relógio do tempo, que marca a caminhada da nossa sociedade, vai funcionar. Os seus ponteiros já indicam que o atual governo e as suas políticas estão fora de prazo.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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