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09-08-2013        Diário de Notícias

Que uma Secretária de Estado cujos depoimentos em comissão parlamentar ficaram invariavelmente aquém da verdade tenha sido graduada em Ministra das Finanças é obviamente algo que nunca aconteceria num país em que o Estado de Direito fosse algo para levar a sério. Que um alto quadro bancário que vendeu ao Estado produtos financeiros de alta toxicidade financeira cuja aceitação contribuiu enormemente para a bancarrota nacional tenha sido escolhido Secretário de Estado do Tesouro é algo que jamais teria acontecido num país em que o exercício de funções governamentais não se tivesse tornado um posto de assalto ao bem público, uma forma de desmantelar por dentro o Estado abrindo espaço para novas áreas de negócio e especulação.

Tudo isto é de cristalina evidência. Tudo isto é de importância simbólica vital para a saúde de um regime democrático. E todavia, ainda assim este não é o debate o mais relevante a fazer. Aceitar discutir este assunto no plano de hombridade pública comporta o risco de afastar o que se impõe ainda mais discutir: o uso de engenharias financeiras para mascarar a verdade das contas públicas e das contas privadas em Portugal.

A financeirização do capitalismo contemporâneo alimenta-se dessa criação engenhosa de novos “produtos” que se encarregam de alargar a toda a realidade – mesmo aquela que ainda não o é (os “futuros”) ou que nunca o será (os “derivados”) – o mandamento do máximo enriquecimento pela máxima especulação. A tecnicidade financeira e jurídica desses produtos é somente o celofane dessa febre especulativa que os anima. Que os fundos de pensões e os orçamentos das administrações públicas sejam sujeitos recorrentes desta engenharia mostra que, além do mais, é o dinheiro alheio dos cidadãos comuns que é exposto ao risco letal deste capitalismo especulativo.

Há um escol de economistas e financistas que tem vindo, nas últimas duas décadas, a povoar a governação com o uso destas estratégias. Os ministérios das finanças de sucessivos governos têm sido campo aberto para os cultores desta submissão dos dinheiros públicos ao dogma do risco que impera nos mercados financeiros.

É esta a verdadeira questão de hombridade que importa discutir: a da hombridade pública muito mais do que a da hombridade pessoal, a da responsabilidade republicana e democrática na gestão do bem público muito mais do que a da retidão das intenções subjetivas. Pais Jorge “não se lembrou” de reuniões em São Bento em que foi tentar vender produtos tóxicos? É grave. Maria Luís Albuquerque diz que não havia na pasta de transição entre governos a informação sobre swaps que realmente lá estava? É igualmente grave. Estas manipulações da verdade como se ela fosse um menu arbitrariamente gerível tornam os seus autores incapazes para a responsabilidade governativa em qualquer país decente. Mas sinceramente parece-me que é muito mais grave que ambos tenham anteriormente sido praticantes destas engenharias financeiras com dinheiros públicos – com os resultados catastróficos que são conhecidos – e hajam sido depois recrutados como responsáveis pela governação financeira do Estado. Essa é a verdadeira incongruência problemática que não pode ser aceite. Essa é a verdadeira baixeza face à qual não pode mesmo haver qualquer tolerância.

 


 
 
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José Manuel Pureza



 
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