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03-03-2013        Público [Revista 2]

Bem sei que é anacrónico e pouco Spotify, mas esta semana fui interpelado por dois mapas: o "planisfério luminoso" de Ventura Ferreira, de 1931, que está exposto na Sala Algarve da Sociedade de Geografia de Lisboa; e um mapa de Portugal com as rotas das viagens de Lucio Costa, em 1948/49 e 1952/53, que pode ser visto na LX Factory.

Realizado para a Exposição Colonial de Paris de 1931, o "planisfério luminoso" é um magnífico painel retro-iluminado que, com a sala às escuras, nos dá a ver em cor eléctrica as rotas dos Descobrimentos entre 1482 e 1660. É uma experiência feérica esta peça da autoria de Victor Ventura Ferreira, então funcionário da Sociedade de Geografia. Enquanto as linhas serpenteiam por quase todo o globo, a Europa desaparece, pois claro. O rectângulo português é sublinhado como o princípio da costa africana e de intensas linhas oblíquas que nos ligam ao Brasil.

Na exposição Bloquinhos de Portugal. A arquitetura portuguesa no traço de Lucio Costa, um mapa ampliado mostra-nos os intrincados roteiros do autor do Plano-Piloto de Brasília pelo nosso país. Lucio e Oscar Niemeyer são os arquitectos-chave do século XX no Brasil. Depois de terem sido dados como perdidos, durante décadas, os cinco "bloquinhos" com desenhos da viagem de 1952/53 foram encontrados e são agora publicados por José Pessôa e Maria Elisa Costa, filha de Lucio. Para este fim, Pessôa visitou e fotografou, em 2011, com evidente sentido de missão, os lugares magnificamente desenhados a preto por Lucio Costa.

Pode parecer óbvio mas não é: que Lucio, na sua demanda pela história e significado da arquitectura brasileira, tenha procurado respostas na "matriz" portuguesa. Mesmo que as não tenha encontrado, aparentemente. Quanto mais independente e moderno o Brasil se foi tornando, mais recôndito Portugal foi figurando. Os comentários de Lucio em carta não deixam de sublinhar o rocambolesco ou a pobreza que nos atinge. Mas o afecto, também dos desenhos, fala mais alto.

Como ainda agora notou Francisco Seixas da Costa, "depois da independência, vários outros Brasis se criaram dentro do Brasil" (na última edição desta revista, 24/2/13) e a afectividade pode rarear. Os desenhos de Lucio referem-se ao Brasil de Portugal, e na sua beleza e inquirição tornam ligeiramente menos assimétrica a história recente dos dois países. Quando Lucio viaja de carro e depois de ônibus e trem, cruzando a "matriz", há também uma cor feérica, retro-iluminada, neste itinerário. Ao ouvir o secretário perpétuo da Sociedade de Geografia contar as aventuras dos portugueses no mundo e o investigador brasileiro as peripécias de Lucio em Portugal, julgo ouvir falar sobre a mesma coisa. Ouço os bloquinhos de Portugal, lá para o Sul e para o Oriente, em Bragança ou em Évora. É só cruzar os mapas.


 
 
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Jorge Figueira



 
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