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02-03-2013        Jornal de Notícias

O vazio é o resultado da incapacidade manifesta dos partidos designados do arco da governação corresponderem, no exercício do poder, aos seus compromissos programáticos e, ainda menos, à interpretação dos anseios dos povos.

Estas incapacidades – de facto divórcios conscientes – geram um sentimento de descrença e traição que desagua em expressões de repulsa por parte dos cidadãos.

A traição é sentida não apenas por aqueles que deram o voto a essas forças. Todos os que valorizam os mecanismos de expressão e o funcionamento das instituições democráticas se sentem traídos.

Os resultados das recentes eleições em Itália expõem claramente esse vazio e evidenciam os bloqueios a que é preciso dar resposta. Ali, como em Portugal, o tempo urge, sob pena de surgirem perigosos descalabros na vida dos nossos povos e nações e se aprofundar muito o retrocesso social, cultural, político e civilizacional que estamos a viver.

Os italianos expressaram uma forte condenação das políticas de austeridade e um crescendo do sentimento anti-União Europeia, que surge cada vez mais aos seus olhos como uma espécie de armadilha em que os países estão metidos, impedindo-os de realizarem programas políticos de resposta aos problemas das pessoas, da economia e dos seus objetivos de desenvolvimento.

Quatro outros aspetos, muito relevantes, ficaram claros nestas eleições: i) o sistema político-partidário está esgotado e o regime abalado, mas são as forças de direita e extrema-direita e as suas conceções fundamentais que surgem a marcar a ofensiva; ii) essas mesmas forças, enquanto estiveram no poder, procederam às necessárias “reformas estruturais” ou a reacertos de Regime que lhes continuarão a garantir forte presença no poder; iii) são enormes as fragilidades da grande área da esquerda, onde surge um Partido Democrático conformado e submetido e sem alternativa credível, e uma dramática pulverização da representação mais à esquerda; iv) o que muitos italianos admitiram como alternativa ainda não o é, pois o Movimento 5 Estrelas – marca registada – de Beppe Grillo não consubstancia uma solução de futuro, de progresso.

Trata-se de um fenómeno que importa analisar com muita atenção. Talvez não seja errado considerar que uma parte significativa dos votos obtidos por Beppe Grillo constitui uma herança sociológica de esquerda, herança que, entretanto, foi representada eleitoralmente, durante algum tempo, por forças políticas claramente de direita e populistas.

Analisando as suas mensagens e programa observa-se que existem algumas propostas justas e significativas doses de populismo (no sentido comummente usado do conceito). Mas o argumentário político fundamental assenta numa lógica dual, dicotómica, de divisão da sociedade que é falsa e muito perigosa, em particular em situação de anomia social.

O ataque indiscriminado aos partidos políticos, aos sindicatos, a instituições e organizações diversas, sempre identificados com o “malévolo” sistema instalado e com o odioso “regime”, apresentando a sociedade na divisão dicotómica entre os “instalados no sistema”, onde também entram todos os que têm emprego e os excluídos e precários que estão despidos de tudo, constitui uma falácia e uma perigosa manipulação.

Objetivamente desresponsabiliza os verdadeiros autores do desastre que acumulam cada vez mais riqueza com as políticas nacionais e europeias prosseguidas, e sustenta-se na ausência de uma análise das classes sociais e dos seus papéis, bem como na não observação da evolução do processo de estratificação social.

A situação de Portugal é diferente da de Itália, mas há similitudes.

Em Portugal o vazio pode ainda não ser tão visível, mas está a formar-se rapidamente. O domínio do Bloco Central de interesses e a persistência de alguns em resumirem as alternativas a meras alternâncias destruirão o que resta da sua credibilidade.

Entretanto, Passos Coelho, o seu governo e as forças de direita avançam com as suas “reformas profundas do Estado” e com as “reformulações do Regime” para, num “sistema refundado”, assegurarem para a direita e a extrema-direita o domínio da sociedade no futuro. Foi isto que, com métodos e por formas um pouco distintas, fez Berlusconi.

 


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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sindicatos    austeridade    Itália