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15-11-2012        Visão

Talvez não passe muito tempo antes que o que ocorre nos EUA deixe de ter importância para o mundo. Na semana passada dizia-se no Brasil que a Presidente Dilma Roussef estaria mais preocupada com o que se passaria no XVIII Congresso do Partido Comunista Chinês do que com o resultado das eleições norte-americanas. Seja com for, o poder político-militar e financeiro dos EUA faz com que, por agora, o que se passa neste país deva ser objecto de reflexão. A primeira lição das recentes eleições é que a concentração da riqueza e a desregulação do financiamento das campanhas eleitorais estão a pôr em risco a democracia. Estas foram as eleições mais caras da história dos EUA e a falta de transparência nas contribuições financeiras para os diferentes candidatos nunca foi tão chocante. Quem não tem riqueza pessoal ou capacidade para mobilizar a riqueza dos outros não tem qualquer hipótese de vir a ser um membro da classe política por mais preparado ou dotado que seja. Uma decisão infame do Tribunal Supremo dos EUA determinou recentemente que as empresas são pessoas e que, como tal, podem contribuir livremente para o financiamento das eleições sem terem de prestar contas (a decisão Citizens United). Esta decisão pode ser fatal para a democracia americana. O Estado de Montana acaba de decidir que as empresas não são “gente”, abrindo assim o caminho para uma emenda constitucional que anule a decisão do Supremo Tribunal. Este grito de revolta contra o sequestro da democracia não terá por agora eficácia e as primeiras desilusões dos apoiantes de Obama vão ser talvez na área da segurança social. O capital financeiro de Wall Street que apoiou Obama quer privatizar a segurança social e pode vir a consegui-lo.

O poder do dinheiro está a destruir a democracia americana por muitas outras vias. Recentemente foi denunciada uma organização privada, não registada como lobista, cuja função é preparar legislação favorável às empresas (impedir a sindicalização, eliminar exigências ambientais, etc.) a todos os níveis da governação, local, estadual e federal. Depois de identificar políticos manipuláveis, coloca-lhes nas mãos os projectos de lei e recompensa-os se eles conseguirem a aprovação. Chama-se American Legislative Exchange Council e tem sido financiada pelas maiores empresas dos EUA. Por outro lado, grupos conservadores recorrem à “supressão de voto”, um conjunto de estratagemas para impedir que os grupos sociais inclinados a votar em candidatos mais à esquerda exerçam o seu direito de voto: exigência de formas de identificação caras ou difíceis de obter; mensagens aos subordinados avisando-os de possível despedimento se votarem errado; placards à entrada de cidades com propensão pro-Obama, advertindo enganosamente que quem cometer alguma irregularidade ao votar (ex: votar fora da sua secção de voto) pode ser punido com penas graves; suspeitas discutidas nas redes sociais de que se a diferença de votos entre os candidatos fosse pequena, as máquinas de voto electrónicas poderiam estar programadas para viciar os resultados contra Obama. A experiência americana mostra que é urgente reformar o sistema político e o financiamento das campanhas de modo a impedir que o poder económico roube o sonho democrático sem sequer precisar de recorrer à ditadura. 

A segunda lição é que os cidadãos não aceitam que a educação e a saúde deixem de ser um direito para passarem a ser uma mercadoria a que tem acesso apenas quem a pode comprar. Dentro dos limites impostos por um Congresso hostil e por um poder económico bem organizado, Obama avançou com algumas políticas públicas que garantiram mais direitos aos grupos sociais vulneráveis. Esses grupos coincidiam em parte com o que se designa por minorias (negros, latinos e imigrantes). Unidos a outros grupos sociais hostilizados pelos conservadores (mulheres e gays) eles foram a maioria de Obama. A lição é simples: no início do século XXI, os governos que atentarem contra o direito à educação e à saúde serão abandonados pelos eleitores.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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