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18-03-2012        Público/Revista 2    [ p.8 ]

As opiniões dividem-se sobre quem terá dito que "escrever sobre música é como dançar sobre arquitectura";. Há, no entanto, bons exemplos sobre a hipótese de dançar sobre arquitectura: The BQE, de Sufjan Stevens, uma cinematic suite inspirada na Brooklyn-Queens-Expressway, é exactamente isso. Infelizmente, escrever sobre arquitectura não é como dançar sobre música. Particularmente nos meios generalistas, uma escrita mais especializada tende a alienar os leitores comuns, por ser demasiado disciplinar, e os leitores disciplinados por ser demasiado comum.

Embora de estatuto incerto, esta escrita foi re-velando e direccionando, nos últimos 50 anos, as várias matizes da "arquitectura portuguesa";. Podemos situar a emergência de uma abordagem contemporânea no trabalho de Nuno Portas. Nos anos 1960, Portas cobre virtualmente as direcções da época, desde as fi  liações culturalistas (nórdicas, italianas) até científi cas (inglesas), abrindo sem retorno o raio de acção dos arquitectos portugueses. A escrita de Pedro Vieira de Almeida é, por essa altura, uma síntese das preocupações de Portas.

Os anos 1970 são, para a Escola do Porto, um tempo de preparação e de ataque. As intuições de Fernando Távora são tensionadas pelos escritos rápidos e programáticos de Álvaro Siza: o sítio, o desenho, a construção, são instituições literárias no Porto. Já nos anos 1980, Alexandre Alves Costa transforma este legado em lição, enquanto Manuel Mendes o tenta problematizar.

Em Lisboa, emerge uma nova geração: Michel Tous-saint acolhe os ventos de mudança; José Manuel Fernandes distinguir-se-á pelo levantamento de arquitectura portuguesa nos países africanos; Manuel Graça Dias traduz para "arquitectês";, com convicção peculiar, uma "escrítica pop";. Na segunda metade da década, Paulo Varela Gomes e João Vieira Caldas enriquecem a escrita com alusões teóricas e tácticas publicistas. A arquitectura portuguesa é, como resultado destes progressos, um monstro com várias cabeças.

Dos anos 1990 para cá, a passagem da cultura das Belas Artes para a universidade está bem representada na efi  caz abordagem historiográfica de Ana Tostões. Desde então, um conjunto de articulistas, onde me incluo, tem tentado projectar o estatuto da arquitectura portuguesa num contexto alargado. Esta abordagem é muitas vezes entendida como "situacionista";, o que se refl ecte particularmente na aguerrida escrita dos blogues.

Em qualquer caso, escrever sobre arquitectura continua a ser um exercício particular: porque não se pode socorrer da candura do pop, da liturgia do cinema, do jargão da teoria de arte, da poesia da ciência política... 

Escrever sobre paredes e janelas pode levar a um certo delírio, próximo da dança. Talvez a escrita da arquitectura seja, de facto, uma forma de dança sobre arquitectura a partir do "som dos arquitectos";. Que será, nos próximos tempos, o som de ateliers vazios e de alunos inquietos.


 
 
pessoas
Jorge Figueira



 
temas
arquitectura