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09-07-2011        Público

Grande parte do que se veio construindo em Portugal no decorrer da democracia instaurada em 1974 teve uma forte comparticipação do Poder Local. A situação material, cultural e humana dos concelhos encontrava-se, até esse período, muito debilitada, ostentando componentes de quase inabitabilidade. A concorrência das autoridades locais, dentro e fora das suas competências, ajudou, em muitos casos, a minar esta condição, modificando o retrato do país até então existente e no qual já não nos reconhecemos. Não foi tarefa fácil e, politicamente, totalmente reconhecida, continuando as periferias do Estado a serem olhadas com a desconfiança herdada dos períodos anteriores. A ruptura democrática foi, deste modo, acompanhada por determinadas continuidades, de que a suspeição face aos eleitos locais é um cabal exemplo.

Assim, a consagrada autonomia dos municípios, muito especialmente em termos financeiros, encontrou-se sempre ameaçada (basta relembrar os debates da Assembleia Constituinte e as peripécias em torno da primeira Lei das Finanças Locais de 1979, a qual veio aligeirar a ideologia da comparticipação em obra até então vigente). Os cortes de financiamento foram e são moeda corrente, ameaçando a execução das competências, tanto as legais como as assumidas (defendi em tempos que este tipo de lei deveria ter um carácter reforçado e tal deveria ser contemplado na nova lei que se vier a elaborar). É que a dependência de boa parte dos municípios das transferências centrais ronda a casa dos 80%, sendo as restantes fontes provenientes de receitas derivadas da construção imobiliária (gerando novas suspeições). Não é, deste modo, de estranhar a comprometida situação financeira de muitos municípios.

Acresce que umas primeiras reivindicações da ANMP consistiam no conhecimento prévio e, até, negociação da legislação que lhe era dedicada. Tal nunca se efectuou, com as consequentes distorções (veja-se, por exemplo os efeitos da unilateral normatividade do recenseamento eleitoral dos emigrantes). As reformas administrativas que se levaram a cabo (recorde-se a de 2003) não vingaram, outras, anunciadas, não passaram de mero anúncio (executivos monocolores) e a tão necessária regionalização (também ela sujeita a suspeições), constitucionalmente consagrada, continua apenas na Constituição (apesar de ela constituir a trave-mestra de qualquer reforma do Estado).

Também a noticiada operação de fusão ou extinção de municípios e freguesias não deixa de estar isenta de objecções, ao parecer não derivar dos necessários estudos prévios que a pudessem vir a fundamentar. E, pior ainda, sem que se diga uma palavra sobre a indispensável auscultação e negociação com as populações visadas, factor absolutamente indispensável para uma sua hipotética concretização.

O contexto social e financeiro do país veio impor uma espécie de "ordem externa";, para a qual o Governo não conta. As referidas fusão e extinção têm agora umprazo até 2012. Não haverá tempo para tomar as medidas necessárias. Temo por outras consequências que atinjam o país e, concomitantemente, o seu Poder Local.
Este segmento estatal, tão cheio de potenciais oportunidades e virtualidades, encontra-se infelizmente, deste modo, sujeito a sérias ameaças.


 
 
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