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06-08-2022        Jornal de Notícias

É muito recorrente o discurso que desvaloriza o emprego público, que apresenta os trabalhadores da Administração Pública (AP) como pouco diligentes e privilegiados face aos do setor privado. Basta um pouco de reflexão, para se concluir que este discurso é injusto e é inimigo do Estado Social de Direito Democrático.

55% do total dos trabalhadores que estão nas Administrações Públicas tem, no mínimo, licenciatura. No setor privado são apenas cerca de 20%. Para os governos disporem de trabalho técnico que sustente decisões acertadas e, acima de tudo, para os portugueses usufruírem de direitos com carater universal na saúde, no ensino, na justiça, na segurança, na habitação, no sistema fiscal, na cultura, na proteção social, no apoio às empresas, é preciso fixar e aumentar o número de trabalhadores altamente qualificados. E, a produtividade do emprego público devia medir-se pelos benefícios assegurados aos cidadãos, pois a sua atividade não é sobre produtos mercantilizáveis, com o objetivo do lucro. 

Recentemente o governo aumentou em 52 euros o salário de entrada dos técnicos superiores, passando o valor para 1.059,59 euros (estagiários) e para 1.268,04 euros (licenciados). A remuneração dos doutorados foi um pouco mais valorizada, sendo agora de 1.632,82 euros. Isto são privilégios? Não. São ajustamentos ainda insuficientes.

Nas comparações entre as condições de trabalhadores das categorias de assistente técnico e assistente operacional, com as de profissionais qualificados e não qualificados do setor privado, é preciso ter presente três factos: i) as estruturas do emprego e do sistema de qualificações dos dois setores é distinta; ii) no conjunto das Administrações Públicas há muitas funções de alto risco, como é o caso dos profissionais da polícia ou dos militares, que deve ser compensado, o mesmo acontecendo com os que têm forte responsabilidade social; iii) o contrato de trabalho em funções públicas - que tem sido substituído por vínculos precários - assenta na necessidade de proteger os trabalhadores para que eles garantam aos cidadãos, tratamento com equidade.

Alguns críticos dos trabalhadores da AP alcunham-nos de privilegiados por terem emprego certo. Já no tempo do fascismo se dizia, a propósito do emprego no Estado, “o salário é pouquinho, mas é certinho”. Tal conceção confirma que a precariedade é velha, sendo retrógrada a ideia do emprego precário como modelo do futuro. A valorização do emprego público puxou pela melhoria dos direitos de todos os trabalhadores e contribuiu para uma sociedade mais inclusiva.

O atual retrato da Administração Pública é preocupante. As políticas de fundamentalismo orçamental impedem a sua modernização e o reforço das capacidades humanas. Em 2021, observou-se o número mais elevado de entradas e saídas na AP durante a última década, sendo um dos setores mais atingidos o da saúde. O envelhecimento dos trabalhadores aumenta - mais de 4 anos entre 2011 e 2020. A necessidade de rejuvenescimento até baixará a média salarial nos próximos anos, dado que os jovens são mais mal pagos. Entre 2009 e 2013, os trabalhadores da AP apenas tiveram 2 ridículos aumentos salariais: 0,3 % em 2020 e o,9 % em 2022.

Uma das áreas em que Portugal mais divergiu da União Europeia foi na política salarial para a AP. Prosseguir nestas práticas é alimentar a política de baixos salários e precariedade para todos, e criar obstáculos à existência de um Estado moderno.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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