Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
24-05-2011        A Cabra - Jornal Universitário de Coimbra

Certas versões da Europa como o locus primordial da modernidade continuam a dominar o discurso das ciências sociais e das humanidades. O projecto da modernidade é normalmente representado como um período e uma cultura bem delimitados, por via de uma listagem de termos como democracia, Estado-nação, cristianização, industrialização, urbanização e cidadania. Actualmente, fazem parte da nossa linguagem comum para distinguir uma sociedade moderna de uma não moderna, mesmo quando estamos conscientes de que a definição destes termos é muito problemática. A questão do eurocentrismo é, deste modo, crucial, porque se situa no próprio âmago do conhecimento ocidental e do nosso mapeamento histórico e geográfico do mundo, determinando de forma inequívoca como ‘África’ é interpretada na contemporaneidade. É nesse âmbito que tem sido desenvolvido no Centro de Estudos Sociais o projecto de investigação com o título ‘Raça’ e África em Portugal: um estudos obre manuais escolares de história (2008-2011, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia). Este projecto explora a construção do eurocentrismo através da história nacional/europeia nos manuais escolares portugueses do 3º Ciclo do Ensino Básico (7º ao 9º anos).

Neste texto incidimos sobre a forma como o eurocentrismo nos manuais portugueses produz uma história nacional/europeia que ajuda, por um lado, a construir estruturas binárias de diferença que posicionam o ‘nós’ como central e os ‘outros’ como periféricos/inferiores, e, por outro lado, a evadir questões de poder, conduzindo à naturalização de processos históricos e de relações políticas. Defendemos que a eficácia do eurocentrismo como paradigma reside na despolitização e naturalização de relações de poder de certos processos cruciais para a história da Europa, como a cristianização, o (pós)colonialismo ou a escravatura. Assim, a nossa ênfase não é tanto numa identificação de oposições binárias que essencializam o ‘nós’ e o ‘outro’, mas antes no modo como esses relatos despolitizados têm consequências fundamentais para o modo como o racismo, o nacionalismo e a história de África são interpretados, ou, mais comummente, evadidos. A nosso ver, a eficaz reprodução do eurocentrismo depende sobretudo da naturalização do quadro ideológico mais amplo nas quais surgem e circulam as representações estereotipadas. Nesse sentido, a presente investigação incide sobre as concepções de ‘Europa’, ‘Portugal’ e ‘Ocidente’ que possibilitam determinadas representações do ‘outro’, inerentes a conceitos como ‘África’, o ‘Terceiro Mundo’ ou o ‘Império Colonial’, resultando em explicações da diferença como ‘deficiente’ (subdesenvolvida, violenta) ou ‘semelhante’ (parte constitutiva da civilização; conseguindo independência como estados nacionais).

Os nossos principais resultados sugerem que, nos manuais de história, a construção do eurocentrismo é conseguida a partir de três fórmulas:
1) Uma narrativa linear que posiciona o ‘outro’ num tempo diferente do presente Europeu: o emprego do espaço/tempo para a construção de uma narrativa histórica lógica, na qual surge a ideia de África como a infância da humanidade mas num tempo radicalmente diferente dos europeus (a impossibilidade de contemporaneidade), e por isso construída como eternamente requerendo a intervenção ocidental;
2) O Estado nacional democrático como paradigma de administração política, social e económica. O processo complexo de constituição do ‘social’ como ‘a nação’ (uma comunidade, uma língua, uma cultura, num território com fronteiras bem definidas) é naturalizado e reificado, autorizando o paradigma da organização política: o estado nacional democrático. Esta abordagem não invisibiliza outras formas políticas como negligencia as características políticas de diferentes formas de organização.
3) A ligação definitiva entre certos conceitos-chave e períodos históricos: em particular, o racismo é visto como estando definitivamente ligado ao chamado novo imperialismo do século XIX (sobretudo aos casos britânico e francês) ou ao Nazismo alemão, ilibando o papel do colonialismo português e espanhol para a emergência e consolidação de ideais sobre o racial e de formas de governação racistas, a partir do século XVI.


 
 
pessoas
Marta Araújo
Silvia Rodríguez Maeso



 
temas