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09-10-2021        Jornal de Notícias

No quadro da discussão do Orçamento do Estado (OE) para 2022, a Direita, numa pluralidade que vai do Chega ao PSD, apresenta-se sintonizada na defesa de um caderno contraditório, reclamando simultaneamente: 1) apoio às empresas, de preferência via acesso direto a fundos do Estado, mas sem este ter o direito de canalizar meios para políticas públicas que respondam a necessidades prementes dos portugueses; 2) redução da despesa pública e resposta a grandes problemas sociais; 3) abaixamento generalizado de impostos e diminuição da dívida; 4) secundarização do consumo interno, mas respostas às carências gritantes de mais de dois milhões de portugueses e invenção de atividades para as pequenas e microempresas; 5) salários de miséria, mas trabalhadores disponíveis e com qualificações.

O país precisa de políticas articuladas na resposta a uma crise que é económica e social. Estas duas componentes são um todo. Os recursos identificados no OE - dirigidos ao setor privado, ao público ou à economia social - devem ser orientados com esse objetivo. O social não é algo que decorra naturalmente das políticas económicas dominantes.

A Direita faz tábua rasa daquele princípio e, no atual contexto, parece ter apenas três objetivos claros: a) aproveitar-se de confusões acerca das potencialidades do PRR (beneficiando de algumas espectativas inflacionadas que o Governo tem criado), tentando fazer desaguar o máximo dos recursos em privilegiadas mãos privadas; b) aumentar dificuldades ao setor da saúde e a outras áreas importantes da responsabilidade do Estado para, uma vez no poder, facilitar chorudos negócios a grupos privados parasitários; c) defender todo o lastro pesado que ficou do tempo da troica, em particular na área do trabalho e do emprego, para ressuscitar a receita da austeridade, razão pela qual não são capazes de apresentar nenhuma proposta minimamente estruturada para mudança qualitativa do perfil da economia.

Também não espanta a sintonia entre este caderno, tão consensual entre as diversas forças de Direita, e o pronunciamento de alguns representantes de organizações patronais. Esta semana tivemos, mais uma vez, o presidente da CIP a pôr travões a um aumento minimamente digno do salário mínimo nacional e a uma melhoria geral dos salários, como se esse fosse o grande problema das empresas. Ele, que já várias vezes disse que não se fixam trabalhadores qualificados com baixas remunerações, que há falta de trabalhadores em vários setores, que o melhor posicionamento das empresas nas cadeias de valor e a criação de atividades de maior valor acrescentado não se obtêm com baixos salários. Caro António Saraiva, não se consegue ter sol na eira e chuva no nabal. É verdade que a eira que lhe interessa pode ser aquecida com a cobertura do Estado e a energia vinda do sacrifício dos trabalhadores no ativo ou na reforma, mas, como bem sabe, tolhe-nos o futuro coletivo.

Numa semana em que veio a público mais um dos esquemas da fuga aos impostos que depaupera a economia real e os estados, em que foi relembrado o facto de 19 das 20 empresas do PSI 20 terem sedes fiscais fora do país, em que a revista "Forbes" deu a conhecer que, em 2020, os mais ricos do Mundo aumentaram os seus lucros como nunca tinha acontecido, como é possível continuar a reclamar-se baixos salários e pensões, e diminuição de direitos laborais e sociais?


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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