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24-11-2010        Público online

A palavra "greve";, de origem francesa, foi popularizada no século XIX a partir de um arbusto com esse nome e mais tarde uma praça na margem do rio Sena em Paris (Place de la Grève, que depois mudou de nome para Place Hotel de Ville), lugar onde se reuniam os operários em busca de actividade, e onde os empregadores recrutavam braços para a jornada de trabalho. Daí a associação da palavra com "estar parado, sem trabalhar";. Reflectir sobre a greve e as suas origens é procurar compreender a natureza complexa e conflitual da sociedade moderna. Mesmo antes da institucionalização da democracia, o conflito, as contradições e as desigualdades já desde o século XVIII se vinham revelando como traços característicos do capitalismo emergente na Europa. A revolução das ideias foi sempre indissociável das revoluções sociais.

A França e a Inglaterra dos séculos XVIII e XIX foram o berço da modernidade e ao mesmo tempo das duas classes antagónicas. O mercado de trabalho livre, a livre circulação do capital e as condições de acumulação (propriedade privada) estabeleceram entre si a relação antagónica – capital/ trabalho – sem a qual a riqueza e o crescimento económico seriam impossíveis.

A greve, tal como as revoltas populares em geral, não nasceu com a sociedade industrial, havendo quem situe a primeira no Antigo Egipto (cerca de 1200 anos a. C.). Mas, na era moderna, o movimento "Ludista";, de início do século XIX, em Inglaterra, os movimentos pelo direito de voto (1832) e pelas 8 horas de jornada de trabalho foram, sem dúvida, etapas decisivas no processo de construção da democracia contemporânea. Na nação mais industrializada do Ocidente, a trilogia greve-luta-sindicalismo exprime os três vértices indissociáveis do movimento operário, gerado pelas duras condições de trabalho impostas pelo capitalismo selvagem a milhões de trabalhadores que, no desespero, decidiam resistir a tão flagrante exploração, parando o trabalho até obterem alguma concessão favorável à sua dignidade humana ou (não poucas vezes) até que a violência policial e o despedimento pusessem fim ao conflito.

Por toda a Europa da segunda metade do século XIX, houve paralisações de carácter grevista, cujo ponto culminante terá sido a experiência da Comuna de Paris de 1871. A luta pelas 8 horas de trabalho – em França, como em Inglaterra e nos EUA – foi um dos motivos mais fortes de mobilização. O próprio 1º de Maio tem a sua origem em acções grevistas em torno das 8 horas de jornada, ocorridas no ano de 1886, envolvendo violência, prisão e até enforcamentos, o que motivou, três anos depois, a consagração desse dia como Dia Mundial do Trabalhador.

A greve de 12 de Fevereiro de 1934, em França, contra o avanço do fascismo e a greve geral que conseguiu o direito a férias pagas (1936) constituem marcos importantes. Em Portugal, a greve dos operários de fundição e serralharia (1849), é considerada a primeira greve industrial, mas nas décadas seguintes, até à I República, houve paralisações dos trabalhadores tabaqueiros, das marinhas e arrozais, mineiros, caminhos de ferro, chapeleiros ou operários da construção civil, entre outras. Também em Portugal, as últimas décadas do século XIX foram muito férteis no surgimento de ideologias politicas ligadas ao mundo operário, tais como o mutualismo e o republicanismo, mas também as novos correntes socialista, anarquista e comunista, que injectaram grande fulgor e significado político ao movimento operário.

Entre 1871 e 1900, José M. Tengarrinha identificou 725 greves (das quais 37 gerais), dispersas sobretudo pelos núcleos industriais de Lisboa, Porto e Setúbal. As principais motivações desse surto grevista foram aumentos salariais (42%), horário de trabalho (16,2%), condições de trabalho (15,4%), greves de solidariedade (9,6%), e contra os impostos (8,3%). Entre 1907 e 1920, no clima agitado da República, registaram-se 3068 greves, facto que não podemos desligar da legalização da greve pelo novo regime, logo em 1910 (Tengarrinha, Análise Social, vol XVII, 67-68, 1981).

A queda da monarquia, suscitou o despertar da "sociedade civil"; em Portugal, mas este foi, como sabemos, violentamente interrompido pela ditadura salazarista e o Estado Novo. Entre 1926 e 1974 as greves foram proibidas e o movimento sindical fortemente reprimido e substituído por sindicatos corporativos, dominados pelo regime. Ainda assim, importa assinalar a luta operária da Marinha Grande, em 1934, que fez tremer a ditadura de Salazar, além de diversas greves nos anos quarenta (sob influência do PCP), no contexto de crise e de fome agravadas pelo contexto da II Guerra Mundial. Só em 1970 seria fundada a Intersindical (actual CGTP), que se manteve na clandestinidade até ao 25 de Abril.

As grandes viragens da história, os períodos de mudança paradigmática como o Maio de 68 em França ou o período do pós-25 de Abril em Portugal, foram sempre dinamizados por movimentos sociais de grande impacto. Mas, isso só sucedeu porque as instituições e o sistema político souberam incorporar as principais mensagens inscritas na plasticidade desses movimentos e adaptar-se em função disso.

Nas actuais sociedades democráticas, onde o conflito é a contraparte do diálogo, pode dizer-se que as greves cumprem algumas funções manifestas (por exemplo, a melhoria das condições de trabalho) e outras que se podem designar funções latentes (por exemplo, estimular reformas sociais). Se a greve é a continuação da negociação por outros meios, ela ganha significados distintos consoante reflicta um momento pontual de ruptura num processo negocial mais vasto, ou um bloqueio definitivo nos canais de comunicação entre as partes.

A controvérsia em torno da "eficácia"; ou do carácter "inócuo"; da greve – desta Greve Geral – não ficará resolvida no dia seguinte. E o seu impacto mede-se não apenas pelos números da adesão (sempre polémicos) mas pela capacidade de compreendermos as suas causas sociológicas mais profundas e os seus efeitos sociais e políticos no médio prazo.


 
 
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Elísio Estanque