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01-02-2020        Jornal de Notícias

Há dois momentos da História em que os caminhos de Portugal e da Inglaterra aparentemente colidem e temporariamente se bifurcam. São acontecimentos distintos, mas têm em comum a data e o facto de serem marcantes para a relação entre os dois países. 

A 31 de janeiro de 1891, na cidade do Porto, aconteceu o levantamento militar conhecido por “Revolta do Porto”. Ele teve na sua origem várias causas, entusiasmos e objetivos estratégicos, mas o impulsionador principal foi a indignação de republicanos e outros patriotas, face às cedências do Governo e da Coroa perante o ultimato britânico de 1890.

31 de janeiro de 2020 é o dia da concretização do Brexit. O Reino Unido (Inglaterra) sai da União Europeia (UE), acontecimento que altera os termos da discussão e, por certo, muito do rumo desse Bloco de Estados onde Portugal se insere, ao qual está amarrado e a que entregou parte da sua soberania.

No final do século XIX, o Ultimato atirou por terra a ambição portuguesa de concretizar o Mapa Cor-de-Rosa, num tempo em que as colónias eram muito importantes para a expansão das fontes de recursos e como espaço de comércio. A reação dos portugueses ao ato “mais infame” adotado pela Inglaterra contra o seu mais velho aliado influenciou o desgaste da Monarquia, que havia de cair duas décadas depois, mas também é considerado causa de uma focalidade exacerbada no colonialismo, que se havia de revelar trágica.

Ao longo do tempo lá fomos mantendo a velha aliança, sempre por necessidade muito associada à nossa condição atlântica. Quando chegámos à Comunidade Europeia, o Reino Unido já lá estava há 13 anos favorecendo a ideia de que o eixo atlântico havia desaparecido a favor do eixo continental europeu.

Em 47 anos de existência da CEE/UE é a primeira vez que um país sai do projeto, mas há outros que manifestam incomodidades. Nesta saída releva-se muito o peso da economia inglesa e a sua influência financeira, perspetivando-se a transição e o futuro das relações numa lógica parcelar e imediatista. Subavalia-se o valor universal da sua língua, o seu poder militar e influência em múltiplas áreas, a diversidade de laços de cooperação que tem em todo o mundo, o seu peso geopolítico e geoestratégico, fatores estes que vão determinar os cenários do médio e longo prazos.

A reemergência do eixo atlântico surge como grande fator de tensão e como motor de realinhamento da União Europeia que fica, por agora. O eixo continental liderado pela Alemanha – que só abandonou a sua moeda porque impôs um euro desenhado a seu favor – tenderá a voltar-se mais para Oriente, onde o papel da Rússia e em particular da China se reforçam nas dinâmicas mundiais.

Vai ser agora que se consegue rever positivamente tratados europeus e diminuir a carga burocrática na UE? O que nos trarão de novo os ventos de leste e que cargas incorporarão ao atravessar Espanha?

O eixo atlântico ressurgido tem como epicentro, no imediato, as propostas e interpretações pouco recomendáveis de Boris Johnson e de Trump. Mas não terá de ser sempre assim. Poderão definir-se caminhos e politicas potencialmente positivas.

Portugal é posicional e historicamente país atlântico. Neste 31 de janeiro, ficaram alteradas as dinâmicas de definição do nosso futuro. Há que o discutir aberta e responsavelmente. 


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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