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25-01-2020        Público

Liderada pelo primeiro-ministro Narendra Modi, nacionalista hindu, a Índia decai de uma vibrante democracia para um país brutal e fascista. Gandhi dá lugar a Savarkar – ideólogo hindu de inspiração fascista. Meios de comunicação, academia e o judiciário estão a ser purgados de dissidentes. Uma hedionda forma de nacionalismo hindu impõe-se. Os media controlados pelo governo demonizam as opiniões de esquerdistas, comunistas, liberais e seculares, consentindo com a acção de construção de um hegemónico culto hindu à tradição, a espalhar a sua peçonha xenófoba contra minorias religiosas.

A actual movimentação para passar o Citizenship Amendment Bill (CAA) e o proposto NRC (National Register of Citizen) são produtos naturais do governo nacionalista hindu, que quer fazer da Índia uma nação hindu onde minorias religiosas serão cidadãs de segunda. A Índia foi um país laico até a adopção do CAA no dia 11 de Dezembro de 2019. Essa emenda constitucional altera o Citizenship Act de 1955, que garantia a cidadania a minorias religiosas hindus, sikhs, budistas, jainistas, parses e cristãs que afluíram até Dezembro de 2014 ao país, vindas do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, fugindo de perseguição. Muçulmanos também foram excluídos, estabelecendo implicitamente a religião como critério de cidadania sob a lei indiana.

Antes, esforçando-se em tornar a Índia num Estado de domínio hindu, a liderança do BJP pautou várias medidas: a remoção do estatuto especial das cidades de Jammu e Caxemira com a diluição do Artigo 370, a criminalização do divórcio muçulmano, a transformação de uma mesquita em Babri num templo hindu, movimentações tendentes a uniformizar o Código Civil e, agora, a nova lei da cidadania aliada à promessa de extensão do NRC de Assam ao resto da Índia.

A aprovação do CAA gerou protestos em todo o país, com muitas pessoas temendo que a controversa legislação será usada em conjunto com o NRC para considerar minorias religiosas como “imigrantes ilegais”. O NRC ganhou proeminência nacional ao ser implementado no estado nordestino de Assam, mas alimenta o medo e o pânico na nação. O processo foi concebido para livrar os hindus, na sua maioria, da inconveniência de provarem que são cidadãos indianos, já que o CAA os provê de modos de chegar à cidadania indiana de uma forma que não provê aos muçulmanos.

A emenda foi muito criticada por ser “fundamentalmente discriminatória” contra os 200 milhões de muçulmanos a viver na Índia. As críticas expressam preocupações relativas ao uso da lei, que tem como finalidade tornar apátridas muitos cidadãos muçulmanos, se estes não forem capazes de atender aos rigorosos requerimentos relativos às suas identificações e certidões de nascimento. No entanto, o governo nacionalista hindu argumentou em favor da lei, dizendo que sendo o Paquistão, Bangladesh e o Afeganistão países de maioria muçulmana, é improvável que enfrentem neles perseguições religiosas.

A aprovação do CAA levantou a um sério debate acerca da laicidade do Estado indiano, que caminha para se tornar um Estado teocrático. Estudantes, académicos, comerciantes e trabalhadores saíram às ruas em protesto contra o CAA, mesmo sob as duras condições do inverno. Inicialmente, esses protestos não tinham a liderança de indivíduos ou partidos políticos; eram a expressão da resistência colectiva em prol da laicidade da Constituição – particularmente no que a ela concerne o respeito pelos direitos humanos dos muçulmanos.

Assam e outros Estados nordestinos foram palco de manifestações violentas contra a lei, sob o medo de que a garantia de cidadania a refugiados e outros imigrantes causaria uma perda nos seus “direitos políticos, culturais e direitos de propriedade agrária”. Noutras partes da Índia, manifestantes exigiram que a cidadania indiana fosse garantida a refugiados muçulmanos e imigrantes. Grandes protestos contra o CAA rebentaram na Universidade Muçulmana Aligarh e na Universidade Jamia Millia Islamia; houve relatos de uma repressão brutal por parte da polícia. A partir de 19 de Dezembro, os protestos espalharam-se por toda a Índia.

Os protestos levaram à morte de diversos manifestantes, a lesões tanto em manifestantes como na polícia, danos à propriedade pública e privada, à detenção (algumas vezes ilegal) de milhares, e à suspensão da internet em certas áreas. No estado de Uttar Pradesh, governado pelo BJP, o ministro chefe Yogi Adityanath jurou vingança contra manifestantes, incitando o povo à violência; a polícia recorreu à violência contra eles, agredindo brutalmente mulheres e danificando selectivamente propriedades pertencentes a muçulmanos. Os manifestantes são rotulados de antipatriotas, comunistas urbanos (Urban Naxals), jihadistas, pseudo-secularistas, e líderes do BJP frequentemente desafiam-nos a ir para o Paquistão.

Tão veementes protestos pan-indianos são, pela primeira vez desde a independência de 1947, testemunhados. Estes protestos contra o NRC e o CAA acontecem mesmo em áreas onde é ilegal a reunião de mais do que quatro pessoas. Organizações da sociedade civil, estudantes, intelectuais e pessoas de todos os quadrantes opõem-se ao CAA e ao NRC, questionando o binarismo hindu-muçulmano consolidado. O governo Modi, assim parece, teria estado à espera de alguma resistência dos partidos da oposição, mas não contava com a oposição da sociedade, que coloca questões fundamentais sobre a experiência política indiana enquanto democracia. Tal afirmação da sociedade civil determinará, num futuro próximo, o destino político da Índia.

Finalizando, pode dizer-se que será quase impossível para muitos indianos (pobres, de origem dalit ou tribal) provarem sua cidadania, já que a maioria não possui nenhum dos documentos requeridos; por isso, o risco de milhões serem excluídos do NRC é altíssimo. Contudo, o CAA/NRC polarizou indianos ao longo das divisas religiosas e há um risco de violência em massa contra muçulmanos. Narendra Modi e o ministro do interior Amit Shah crêem que os protestos contra o CAA e o NRC, a longo termo, terão o impacto de reduzir os muçulmanos a cidadãos de segunda na Índia, como eles já eram em Gujarat. Além disso, a eleição nacional de 2024 provavelmente beneficiará os fundamentalistas hindus.

O CAA é fundado na discriminação religiosa e representa um desafio à ideia de uma Índia secular e diversa. A dominação hindu através do CAA poderia iniciar a desintegração da Índia como nação multicultural e multiétnica.


 
 
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Amit Singh



 
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