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25-01-2020        Jornal de Notícias

Surgem, a cada dia, denúncias das limitações da nossa Administração Pública (AP) perante a sua missão de responder às necessidades e direitos das pessoas, das instituições e organizações da sociedade, das empresas. No senso comum manifesta-se a ideia de que a burocracia está a aumentar e a tornar-se insuportável em alguns setores. Importa, assim, debater a questão, identificar o que são excessos burocráticos, quais as suas causas e consequências e, acima de tudo, procurar soluções, numa sociedade que reclama mais transparência com melhor gestão nas estruturas e departamentos públicos e maior capacidade de execução por parte dos seus trabalhadores.

Primeiro, Portugal, enquanto membro da União Europeia – que funciona com burocracia exagerada - está sujeito a um conjunto de avaliações e procedimentos muito questionáveis. Para a burocracia europeia, nos países ditos periféricos, os utilizadores de fundos públicos e os agentes públicos estão sistematicamente sob suspeita. O escrutínio, que deve existir sempre para que haja rigor e transparência, é enviesado por essa conceção. Acresce que, em regra, o escrutínio, inclusive o da avaliação de desempenho, é entregue a entidades pretensamente independentes, que opinam quase sempre a favor do mais forte, gerando constrangimentos a níveis intermédios.

Segundo, aqueles excessos burocráticos da UE reproduzem-se à escala nacional, ainda mais quando o poder político teve, desde a nossa entrada na CEE, uma atitude de sobrevalorização das determinações da Comunidade, gerando secundarização das nossas responsabilidades próprias. Daí resultou, por exemplo, um abandono do planeamento e do estudo prospetivo – que tanta falta fazem - por parte do Estado, bem como a subjugação desastrosa das políticas públicas aos impulsos de programas comunitários matando-lhes continuidades indispensáveis.

Terceiro, a opinião pública vai fazendo pressão para que se apliquem mais requisitos de transparência na gestão da coisa pública, nas funções da AP, nas decisões de diretores de serviços ou departamentos, no exercício de profissões sensíveis. Infelizmente a pressão sobre o setor privado é muito frágil em nome da intocabilidade da propriedade privada e da “supremacia” das “regras do mercado”. Essa pressão sobre a AP é muito positiva, mas tem efeitos colaterais perversos. Num quadro em que as mudanças de governos mexem demasiado na estrutura e nos quadros de topo da Administração e em que o poder de decisão está concentrado em cima, os responsáveis de serviços e de departamentos refugiam-se numa multiplicidade de cautelas que geram excessos de burocracia. É também nesse contexto que tem aumentado desmesuradamente o trabalho burocrático de professores, médicos e outros profissionais altamente qualificados.

Quarto, o austeritarismo do governo PSD/CDS depauperou, em quadros e meios materiais, a AP, tornou-a menos capaz, e acrescentou disfunções nos procedimentos. Entretanto, nos últimos anos, a gestão de um hospital, de uma escola ou de uma qualquer repartição ficou mais refém de medidas impostas por cativações e submissões a autorizações prévias e outras imposições das “contas certas”.

É preciso combater o excesso da burocracia na sua génese. A transparência e a eficácia não se alcançam com camadas sobrepostas de burocracia.   


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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