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02-11-2019        Jornal de Notícias

Quando a troika, municiada por cabeças neoliberais do nosso burgo, concebeu um “ajustamento” que assentava na desvalorização do trabalho como terapia que permitiria reduzir os custos de produção e os preços das exportações, propiciando às empresas ganhos de competitividade nos mercados internacionais, muitos patrões (e não só) ter-se-ão regozijado: pensaram que escapavam da crise por entre os pingos da chuva e consolidavam uma política de baixos salários.

Sabiam que o desemprego e a desproteção no desemprego obrigariam muita gente a aceitar salários inferiores aos anteriormente auferidos, mas secundarizaram dois efeitos importantes: i) a desvalorização que aplaudiam havia de voltar-se contra eles como um bumerangue, sob a forma de quebras da procura, logo das suas vendas, provocando mais encerramentos e falências do que previram; ii) a queda dos salários iria aumentar imenso a emigração, produzindo uma acentuada redução da população disponível para trabalhar.

A diminuição da população ativa, de facto ocorrida, está na origem de uma nova manifestação do efeito bumerangue. A partir de meados de 2013 o nível de emprego começou a recuperar e o desemprego a cair. Mas o novo emprego concentrou-se fundamentalmente em setores exportadores caracterizados por baixos salários, por precariedade e baixa produtividade; em atividades bastante ligadas a um turismo que concorre à escala internacional pelos preços baixos. A desvalorização salarial favoreceu uma alteração de estrutura na economia portuguesa que a pode trancar num padrão de baixos rendimentos.

O crescimento do emprego e a diminuição da população ativa propiciaram taxas de desemprego relativamente baixas. Neste contexto, são cada vez mais audíveis as queixas dos patrões e do próprio Estado quanto a dificuldades de recrutamento de trabalhadores, mantendo-se os baixos níveis salariais praticados. Todos os dias ouvimos falar de concursos para médicos que ficam desertos, de professores que, se aceitarem a colocação que lhes calha, ainda têm de pagar para trabalhar, de operários qualificados que escasseiam e mesmo de trabalho indiferenciado que não abunda.

Trabalhar onde existe procura de trabalho tornou-se mais caro. A especulação imobiliária atirou para níveis incomportáveis rendas e prestações de habitação e as periferias das grandes cidades são cada vez mais distantes e onerosas. Entretanto, melhores oportunidades surgem noutras latitudes à medida que o desnível entre os salários praticados em Portugal e na maioria dos países da União Europeia se vai acentuando.

São malhas tecidas pelo “ajustamento”, nós cegos que vai ser muito difícil desfazer com um Estado obcecado em obter excedentes orçamentais e patrões habituados a “poupar” nos salários. O baixo valor do SMN o continuado bloqueio a uma negociação coletiva de harmonização no progresso e enriquecedora de conteúdos e os baixos salários na Administração Pública são três desses nós cegos que atrofiam o nosso desenvolvimento.

Se a estes entraves se vier juntar um acordo de política de rendimentos fechado na agenda de empresários conservadores, com contrapartidas ou negócios de interesse imediato, mas despido de respostas estratégicas na saúde, na educação e formação, nos transportes, o perigo iminente é o retrocesso.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
trabalho    salários    neoliberalismo    desemprego