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10-08-2019        Jornal de Notícias

A propósito da possível greve dos motoristas continuaremos debaixo de um bombardeamento com a tese de que há contradições insanáveis entre a legislação laboral e a racionalidade económica, como se as opções económicas ao nível da governação de um país, de setores de atividade e de empresas não tivessem de considerar a sustentação das obrigações sociais no geral e, em particular, as inerentes à garantia de emprego digno, de salários justos e de corretas contribuições para a Segurança Social.

Neste espaço já abordei causas de ordem laboral e política que conduzem a lutas radicalizadas e voltarei a fazê-lo quando a atual poeira assentar. Por hoje acrescento a minha indignação perante a atuação oportunista de setores patronais e políticos retrógrados e de candidatos a projetos populistas. Também o Governo merece críticas face aos seus "serviços máximos", às suas crónicas insuficiências na dinamização da negociação coletiva e à sua complacência perante a depauperização da Segurança Social. Todos tendem a utilizar os trabalhadores como carne para canhão na execução dos seus objetivos políticos. Assim, dedico o espaço que me resta hoje para algumas observações sobre desafios a assumir para dar futuro à Inspeção do Trabalho (IT).

A transformação tecnológica e inúmeros fatores de ordem política, ambiental e outras, influenciam a evolução da divisão do trabalho e as formas como este se pode organizar, introduzem grandes convulsões e mudanças no mercado de trabalho e a necessidade de se reformularem as instituições que fiscalizam e julgam o cumprimento das leis laborais.

Há um potencial de ambiguidade, e de fugas ao cumprimento da legislação laboral, por ser permitido a muitos patrões mascararem relações de trabalho assalariado sob a capa de "modernidade da economia colaborativa". É a marca mais relevante nas práticas das plataformas digitais, algumas especializadas em colocar propostas de tarefas online e atribuir o trabalho à menor retribuição aceite pelo trabalhador. São efetivas praças de jorna, apesar da aparência moderna, desmaterializada (e governada por algoritmos) com que se apresentam. As indignidades que transportam são do século XIX e trazem forte retrocesso ao quadro das relações laborais.

As tensões entre a condição de prestador de serviços e de trabalhador por conta de outrem estão a marcar o presente e marcarão o futuro. A legislação laboral tem de ser clara na identificação de quem (na relação de trabalho) detém a autoridade e a direção do trabalho, das diversas dependências em que se encontra o trabalhador e da desproporção de poderes entre as partes; e a obrigação de caraterizar novas exigências mentais e físicas colocadas aos trabalhadores.

É imperioso municiar de meios humanos e técnicos a IT, assegurar-lhe sistemas de informação internos que lhes permitam tratar os dados de que dispõe, garantir-lhe cruzamento de dados nomeadamente com a Autoridade Tributária e reforçar-lhe quer a preparação de novas valências quer a autoridade para agir. Concomitantemente, há que preparar os atores do sistema de Justiça, desde logo juízes e magistrados do Ministério Público, que hoje, em grande parte, não dispõem nem de preparação específica, nem de meios para interpretar e julgar corretamente as situações com que se deparam.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
sindicalismo    justiça    greve    leis laborais