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08-06-2019        Jornal de Notícias

Parte importante da explicação para a degradação dos serviços públicos, que não existe apenas nas notícias e no discurso da oposição, encontra-se à distância de um click. Na base de dados da Comissão Europeia (AMECO) estão disponíveis dados estatísticos que dão conta da evolução da despesa pública real - sem juros da dívida - entre 1995 e 2018.

Aí, podemos constatar que a despesa real (isto é, descontado o impacto da inflação) praticamente duplicou entre 1995 e 2005, como é normal num país em que a economia cresce e precisa de desenvolvimento. Entretanto aumentou cerca de 10% entre 2008 e 2010, período em que a União Europeia e Portugal procuraram contrariar os efeitos da crise com instrumentos orçamentais. Entre 2010 e 2015, com os PEC e o consolado PSD/CDS, caiu 15%, para até hoje praticamente não recuperar.

Resumindo, o Estado com os recursos públicos de que hoje dispõe, “compra” menos do que comprava em 2005. Porquê? Em primeiro lugar, porque os juros da dívida pública - que quase duplicou entre 2008 e 2015 -  estão a absorver demasiados recursos. Em segundo lugar, porque a política das “contas certas”, tão gabada pelo governo, tem conduzido ao apertar dos cordões à bolsa muito para lá do que seria necessário para manter a dívida pública controlada e, sobretudo, do que seria preciso para recuperar a capacidade do Estado, profundamente delapidada entre 2010 e 2015.

Estas são as “contas certas” da Comissão Europeia e do Eurogrupo, não as que os portugueses precisam para o país se desenvolver. Estas políticas têm um custo – o sub-investimento – que está a manifestar-se em áreas sensíveis.

Analisando os discursos políticos dos últimos tempos, Portugal parece ter-se posto de pernas para o ar. Um governo que se diz de esquerda converteu-se àquelas “contas certas” que afetam muito as nossas vidas, enquanto a direita, aparentemente, virou “despesista” e clama contra a degradação dos serviços públicos.

O que pretendem uns e outros para o país? É fácil perceber o que a direita quer: degradar a capacidade de resposta dos serviços públicos em todas as áreas possíveis, para os substituir por serviços privados pagos com recursos públicos. As recentes propostas de Assunção Cristas para resolução dos tempos de espera nas consultas do SNS, com atribuição de cheques que permitiriam aos utentes recorrer ao setor privado, é reveladora desse objetivo. Se os portugueses se deixassem embalar nesta conversa, estariam a impedir que o SNS fizesse o investimento de que precisa e o resultado seria: primeiro uma saúde predominantemente privada e mais cara, a que durante algum tempo os subsidiados pelo Estado poderiam aceder, e depois, quando o Estado deixasse de ter capacidade para pagar subsídios, acederia apenas quem pudesse pagar.

Já o governo, prosseguindo naquela subserviência, nega o que prometeu quanto a garantir o direito de todos os portugueses à saúde, à educação, à proteção social, à justiça, à segurança ou a melhores mobilidades. O governo, quando sobrepõe aquelas “contas certas” à recuperação dos serviços públicos, está a contribuir para a realização do que a direita verdadeiramente quer. É necessário travar a asfixia do Estado e a degradação e exaustão dos serviços públicos.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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