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29-07-2010        Visão

A CPLP é constituída predominantemente por países africanos. Não admira que nela dominem as dinâmicas políticas africanas, regionais e que sejam estas a condicionar as relações com países como Portugal e o Brasil. O regionalismo africano é hoje muito diversificado e intenso e é herdeiro de duas tradições: o pan-africanismo e o colonialismo. Há, por um lado, a União Africana e várias organizações regionais das quais as principais são a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), a Comunidade Económica dos Estados da África Austral (SADC), a Comunidade da África Oriental (EAC); e há, por outro lado, as organizações que decorrem do colonialismo e dos laços neocoloniais que se procuraram manter depois das independências: a Commonwealth, a Francofonia e a CPLP. De todas elas, a CPLP é aquela em que os países africanos têm, por agora, mais capacidade de manobra pelo facto de o fraco desenvolvimento de Portugal e a guerra de libertação não terem permitido à antiga potência colonial controlar os processos de desenvolvimento pós-independência. Isto não significa que os laços neocoloniais não possam vir a surgir, quer protagonizados por Portugal, quer pelo Brasil (que foi colonizado, não colonizador, outra originalidade da CPLP).

As organizações de origem neocolonial são vistas pelos países africanos com uma forte dose de pragmatismo. Daí, que Moçambique seja membro de pleno direito da Commonwealth e observador da Francofonia e Cabo-Verde, a Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe sejam membros de pleno direito da Francofonia. Arvorar a prevalência linguística, as tradições culturais ou os valores de direitos humanos em critérios definidores de pertença a estas organizações faz muito pouco sentido à luz do que tem sido a lógica da sua evolução. Quando qualquer destes critérios é accionado ele revela uma de duas coisas. Ou é usado para disfarçar as verdadeiras motivações: a expulsão do Zimbabwe da Commonwealth por violar os direitos humanos, quando o verdadeiro ‘crime’ foi o de expropriar os agricultores brancos, descendentes dos colonos. Ou é usado tão selectivamente que, no mínimo, revela hipocrisia. Se, com olhar desapaixonado, observarmos o que se passa nos países da CPLP (e não me refiro exclusivamente aos africanos) não temos grandes razões para triunfalismo e, perante isso, a opção é entre a incoerência ou a arrogância de reclamarmos o privilégio de definir a norma: aos filhos legítimos da CPLP permitimos tudo, aos filhos adoptivos exigimos que cumpram a lei e os princípios.

Os países africanos têm hoje um interesse acrescido em fortalecer as organizações internacionais em que participam e em maximizar as valências que elas oferecem (Portugal e o acesso à EU; o Brasil e o acesso aos países emergentes). São várias as razões. África confronta-se com um problema de segurança que em larga medida é importado e que, paradoxalmente, é causado por quem lho pretende resolver: a criação, em 2007, do Africom, o Comando militar dos EUA para a África, por enquanto sediado fora de África. Na aparência vocacionado para combater o fundamentalismo islâmico e apoiar as missões de paz, o Africom visa garantir o acesso dos EUA aos recursos naturais estratégicos do continente (petróleo, bauxite, urânio, aquíferos) ante a eventual ameaça da China. Faz prever mais instabilidade política e uma corrida aos armamentos (tal como está a acontecer na América Latina), o que será fatal para países a braços com carências sociais elementares. Um multilateralismo alternativo pode ser uma salvaguarda. A segunda razão prende-se com a invisibilidade do sofrimento das populações africanas e a necessidade de lhe por fim. Ressentem os africanos que tanta atenção mundial seja dada ao derrame do petróleo no golfo do México quando a destruição ambiental do delta do Níger, muitas vezes mais grave e em resultado de décadas de criminosa negligência, não suscite interesse mediático.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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