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17-06-2018        Jornal de Notícias

Foi anunciado que em finais de junho a União Europeia (UE) tomaria decisões históricas a respeito do seu futuro e em particular sobre o euro, capazes de resolver as deficiências da moeda única e esconjurar crises futuras. Reparemos agora nos temas da agenda que acompanha a convocação da reunião: (1) migrações; (2) segurança e defesa; (3) emprego, crescimento e competitividade; (4) inovação e Europa digital, orçamento de longo prazo da UE; (5) relações externas. Perguntar-me-ão, então onde pára o euro? Um parágrafo adicional esclarece: "os líderes discutirão também o Brexit (em formato UE 27) e a eurozona (em formato Cimeira do Euro)".

Tal agenda significa que outras questões urgentes se amontoaram, nomeadamente migrações, segurança e defesa, relações com os EUA. Mas quer dizer também que temas estruturais basilares como o euro continuam a ser evitados. Como conseguirão os dirigentes europeus discutir os delicados pontos da agenda e ainda ter fôlego (nalguma ceia ou ao pequeno-almoço reforçados?) para tomar decisões históricas sobre o euro?

Dir-se-á que na UE todas as decisões são preparadas previamente e as cimeiras são um pró-forma. Se assim for, e não há dúvida que andam por aí discussões sobre o euro, é muito preocupante que essas discussões possam culminar em deliberações acerca das quais ninguém, a não ser os habitantes do Olimpo europeu, foi ouvido ou achado. Neste tempo que estamos a viver, há fortes razões para se duvidar que esta cimeira se limite à verificação de consensos em todos os pontos da agenda, ou a acrescentos de vírgulas no comunicado final. O que vai efetivamente ser discutido e com que profundidade é, pois, desconhecido. E é difícil imaginar uma ordem de trabalhos mais agreste e um contexto pior do que este para uma mera discussão, quanto mais para tomar decisões nos vários pontos enunciados e ainda quanto ao euro.

No quadro internacional assistimos hoje a movimentações geoestratégicas carregadas de sombras e de difícil perspetivação do rumo para que nos conduzem. Entretanto, a UE está prenhe de contradições e cada vez mais desequilibrada, em resultado do reforço da extrema-direita e do crescendo de compromissos do conservadorismo tradicional com essa mesma extrema-direita. Trump não imaginava conquistar tantos "aliados europeus" em tão pouco tempo.

A cimeira tem quase tudo para correr mal. E correr mal, a respeito de decisões sobre o euro, pode significar a adoção de mais alguns pequenos passos na direção da transferência de soberania para a União, sem assunção coletiva de responsabilidades políticas e financeiras. Vai-se consolidando o "nós mandamos, mas tu pagas" que vem sendo posto em prática e continuará a existir na chamada União Bancária: o tipo de "mais Europa" com que a Alemanha concorda. Pode representar, também, um desacordo radical propiciador de condições para um colapso desordenado de todo o edifício.

O que seria esta cimeira correr bem neste contexto? Talvez um reconhecimento sensato de que a fuga para a frente, quando as brechas da construção se alargam, apenas contribui para aprofundar essas mesmas brechas e precipitar um resultado calamitoso, ou seja, o reconhecimento de que a União Económica e Monetária, sobretudo num contexto de agravamento das divergências políticas, sociais e económicas, não é reparável. Ela transformou-se numa bomba-relógio que deve ser cuidadosamente manipulada e desativada, dando lugar a um projeto que, sendo comum, assente num ordenamento de cooperação entre povos e países, em regras e compromissos que permitam aos governos nacionais disporem de capacidades e de instrumentos de políticas com que possam efetivar projetos de desenvolvimento específicos de cada país, exercer as suas responsabilidades e cumprir os mandatos para que foram eleitos.

Todos os grandes temas que emergiram na agenda política nacional nas últimas semanas - limitações orçamentais, saúde, educação, demografia, qualidade de emprego, inovação tecnológica - só poderão ter resposta com políticas nacionais específicas que certos constrangimentos europeus instituídos impedem. Realismo, hoje, é reconhecer este facto. Precisamos de governação com pés bem assentes na terra.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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