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24-03-2018        Público

O governo anunciou mexidas na legislação laboral. É uma proposta limitada, mas a exigir análise atenta a cada uma das matérias. Deseja-se que seja contributo para debate amplo que deve emanar de propostas dos partidos políticos, em sede da Assembleia da República, e dos parceiros sociais, no âmbito das suas iniciativas próprias e da atividade do CES.

Os salários continuam muito baixos em quase todos os sectores de atividade, a precariedade, elevadíssima, impede a evolução da qualidade do emprego. Estes dois fatores continuam a empurrar para fora do país milhares de jovens. As desigualdades persistem de forma acentuada e a pobreza continua presente na sociedade portuguesa. Todas estas situações têm efeitos cumulativos. A sua persistência não impede o crescimento económico, mas limita-o. Enriquece um número significativo de empresários e gestores de topo de grandes grupos, mas bloqueia o desenvolvimento da sociedade.

Está amplamente comprovado que, de todas as “reformas” realizadas a pretexto do Memorando de Entendimento, as que afetam o trabalho e o emprego são as que carreiam para o futuro um lastro mais pesado. Em nome de um tempo de exceção, foram introduzidas alterações na legislação do Trabalho que transferem todos os anos milhares de milhões de euros do fator trabalho para o fator capital e que desequilibraram poderes entre partes. Será inadmissível que se consolidem como estruturais. O desemprego, a precariedade e condicionalismos gerados pelas políticas austeritárias colocaram imensos trabalhadores numa situação de submissão que cerceia a sua organização e mobilização.

Uma legislação laboral equilibrada, e que seja cumprida, não resolve todos os problemas, mas as práticas de diálogo e de negociação, desde as empresas ao nível nacional, e acima de tudo se houver efetivação da contratação coletiva, garantirá uma melhor distribuição da riqueza, reduzirá os grandes bloqueios que enunciei e irá repercutir-se positivamente na dinâmica económica, nos sistemas de proteção social, e no desenvolvimento territorial do país.

Os patrões sabem que, em 2012, lhes foi oferecido um presente bem valioso de que agora não querem prescindir, embora na altura eles próprios até tenham reconhecido que as alterações à legislação do trabalho não eram a questão fundamental para resolver os seus problemas económicos e de competitividade.

O atual Governo está no tempo limite de poder fazer algo de positivo nesta legislatura na área da legislação e das relações laborais. Tem compromissos que deve cumprir, tem razões políticas, económicas e sociais para ser mais ambicioso. O Parlamento tem a legitimidade e o dever de colocar estas matérias na agenda, de alimentar e enriquecer o debate por forma a que os objetivos e os conteúdos de cada proposta sejam equacionados e os portugueses os conheçam.

Em sede de Concertação Social, há todo o direito e o dever de discutir estas matérias. Contudo não é a este órgão que compete decidir sobre elas. E ninguém ignora que a composição e os métodos de funcionamento da Concertação Social se estruturam com base numa relação de forças altamente desfavorável aos trabalhadores.

Há algumas matérias que merecem uma especial atenção.

Primeiro, o princípio da existência de normas mínimas – genericamente referenciadas no princípio do tratamento mais favorável. Aquele princípio – que está inscrito em normas e diretivas da OIT e em legislação da própria UE (hoje propositadamente esquecida) – é central para a regulamentação do Trabalho, mas também estruturante do Estado Social, em toda a sua amplitude.

Segundo, algumas leis laborais têm, em temas pontuais, como por exemplo, mecanismos do trabalho suplementar ou condições de acesso a férias para trabalhadores a prazo, disposições de muito duvidosa constitucionalidade. Seria muito saudável que o Governo, ou a própria Assembleia da República, desencadeassem uma apreciação no espaço do Direito, sobre quais as disposições que devem ser corrigidas.

Terceiro, os bancos de horas individuais em prática são mecanismos intoleráveis de exploração. A existência de bancos de horas exige, imperiosamente, controlo e negociação coletiva a sustentá-los.

Quarto, há toda uma “segmentação” do trabalho que alimenta a precariedade a precisar de ser reduzida.

Quinto, não pode haver caducidade unilateral da contratação coletiva. Têm de se encontrar formas que, podendo não significar o regresso à situação anterior às revisões laborais que introduziram e ampliaram essa caducidade, impeçam vazios ou chantagens patronais como hoje acontece. Ao discutir-se soluções para este problema, tem de se proceder a uma análise quantitativa, mas também qualitativa do estado atual da contratação coletiva, pois existem alguns novos contratos coletivos que são exercícios de harmonização indecorosa das condições de trabalho.

O debate aberto sobre a legislação do Trabalho e as relações laborais tem de estar na agenda política nos próximos meses e ser acompanhado pela mobilização dos trabalhadores, dos especialistas e da sociedade.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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