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04-03-2018        Jornal de Notícias

O tema central e absolutamente prioritário na agenda política nacional é, no meu entender, a definição de medidas concretas que permitam travar a emigração, que mobilizem para o retorno milhares de jovens que saíram do país nos últimos anos, que integrem o melhor possível os migrantes que estão a chegar a Portugal, inclusive de ascendência portuguesa. Sem estas respostas não é possível definir e assegurar um rumo estratégico de desenvolvimento da sociedade portuguesa e de modernização do país.

De acordo com a previsão do Relatório sobre Envelhecimento 2018, publicado pela Comissão Europeia (CE), em 2070 a população portuguesa será de 8 milhões de pessoas, isto é, menos 2,3 milhões do que em 2016. Em 2008 o mesmo relatório previa que a população iria aumentar para chegar aos 11,4 milhões em 2050. Entretanto há entidades nacionais que trabalham propostas em várias áreas de políticas com cenários demográficos que preveem quebras da população ativa entre 20% a 30% para o mesmo período.

O que aconteceu entre um e outro relatório da CE que justifique uma tão radical alteração das previsões? Aconteceu, fundamentalmente, um “ajustamento” da troika e a imposição, pelo governo PSD/CDS, de políticas desastrosas que aumentaram o desemprego para níveis sem precedentes. Foi interrompida e revertida a imigração que se registava em períodos anteriores e foram empurrados para o estrangeiro, à procura de trabalho, centenas de milhares de portugueses, a maioria jovens. Num espaço de tempo muito curto, o país viu-se privado de uma parte substancial da população em idade ativa e fértil.

O que as previsões refletem é, pois, a consequência projetada a longo prazo, dessa sangria demográfica. Esperemos que aquelas projeções estejam erradas, como muitas vezes tem acontecido com previsões demográficas e que sejamos capazes de trabalhar soluções novas. Não podemos dar por inevitáveis estes cenários catastróficos. O país sem pessoas e ao abandono arde, seca, não tem trabalhadores para as atividades que o podem desenvolver. Temos mesmo de dar a volta ao fado daquelas projeções demográficas.

Para isso é preciso, em primeiro lugar, criar emprego. Há hoje mais 350 mil postos de trabalho do que em 2013, quando se atingiu o nível mais baixo, mas ainda estamos com cerca de 350 mil a menos do que tínhamos em 2002. E o desemprego jovem é ainda elevadíssimo (22%). Contudo, não basta criar emprego: é indispensável que ele tenha qualidade. O salário e as condições de trabalho contam muito para esse objetivo. Para a maior parte dos jovens, sobretudo para os mais qualificados, as fronteiras do mercado de trabalho têm cada vez mais uma escala europeia e até mundial e falta fazer-lhes um apelo forte para que não desistam do seu país. Não é com salário mínimo, ou valores perto dele, não é com contratos precários que se evita a emigração de jovens qualificados e se incentiva o retorno dos que saíram. As empresas que se queixam de falta de mão-de-obra qualificada sabem que é assim, mas têm sido lentas a melhorar a oferta.

Há outras políticas que também contam e muito. Habitação a custo compatível com os rendimentos e onde seja possível viver bem e ter os filhos desejados. Acesso dos filhos ao pré-escolar. Bons transportes. Cuidados de saúde acessíveis a todos. Pensões dignas.

A atração da população jovem com medidas de apoio ao retorno deve envolver também uma política de imigração que combata a ilegalidade, a clandestinidade e a exploração dos sem-papéis. Há que garantir os direitos laborais dos imigrantes em pé de igualdade com os de todos os trabalhadores e combater a discriminação.

No atual contexto de globalização e concorrência que tanto se invoca, um país como o nosso, que tem capacidade de formação e qualificação da sua juventude, jamais será competitivo comprimindo mais e mais os chamados custos salariais e os direitos laborais e sociais. Por essa via corre o risco de se despovoar, de definhar. O sol e o mar continuarão cá, mas para serem rentabilizados precisam de pessoas para trabalhar. E o desenvolvimento implica mais inovação, mais industrialização, mais diversificação da economia.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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