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11-02-2018        Jornal de Notícias

Realizou-se na passada quarta-feira, em Mafra, o XII Encontro das COTEC Europa, subordinado ao tema Work 4.0, ou seja, discutiu-se aí o futuro do trabalho à luz da nova vaga tecnológica que tem como base uma utilização mais intensa do digital, da robotização e, em particular, da inteligência artificial. Trata-se de um tema de significativa atualidade, mas há hoje uma tendência para se discutir o emprego futuro quase só debaixo do paradigma tecnológico e com o enfoque na presumível destruição de emprego. Alguns formadores de opinião ampliam as desgraças anunciadas porque os cenários que ganham audiências são os de desastres e calamidades. É caso para perguntar, porque não se especula da mesma forma sobre as extraordinárias possibilidades de criação de novo emprego, de emprego mais qualificado, mais motivador, menos penoso e melhor retribuído? E qual a razão pela qual não se discute, com impacto público, a resolução de outros problemas que nos permitam ter mais e melhor emprego?

Fui orador convidado num dos painéis deste Encontro. Na resposta à primeira questão que me foi colocada, tive oportunidade de deixar três observações que aqui desenvolvo e partilho.

Primeira, em Portugal vimos assistindo à exposição de duas narrativas acerca do emprego que, no senso comum, surgirão como um paradoxo: enquanto se anuncia que os robots destruirão postos de trabalho por todo o lado, temos responsáveis empresariais da metalomecânica, do turismo, do calçado, da restauração e de outros serviços a dizerem - e julgo que fundamentadamente - que faltam dezenas de milhares de trabalhadores para projetos empresariais já no terreno ou em perspetiva. Isto torna evidente quão urgente é o debate sobre políticas que estanquem a emigração dos jovens, sobre formações e qualificações ajustadas ao nosso desenvolvimento, sobre o emprego público indispensável à melhor prestação de direitos fundamentais, sobre a diversificação da estrutura económica, sobre a melhoria dos salários e de um consumo interno que ajude a elevar o nível de vida da maioria dos portugueses.

Segunda, em Portugal como na Europa e um pouco por todo o Mundo está claramente esgotado um regime de acumulação em que o esmagamento dos salários e o agravamento das desigualdades se articulou com a expansão do crédito bancário para produzir uma ilusão de estabilidade e crescimento. Passamos a uma fase de recessão e turbulência em que os capitais procuram valorização na esfera financeira, através de uma frenética aquisição de ativos mobiliários e imobiliários que incha bolhas (especulativas), mas pouco acrescenta à provisão de bens e serviços. A riqueza continua a acumular-se no topo da pirâmide, agravando desigualdades e impedindo o investimento na produção de bens e serviços úteis. É preciso uma muito mais justa distribuição da riqueza: para se eliminarem carências e excessos que vivem lado a lado, numa tensão crescente passível de explodir a qualquer momento; e para que possa surgir esse investimento criador de emprego útil, motivador e qualificado, mesmo que também ampliador do número de robots.

Terceira, quando nos dizem que os robots, o digital e a inteligência artificial estão aí para nos roubar o emprego e nos transformar em recipientes passivos de subsídios, é preciso lembrar que o problema não está nas tecnologias. As novas tecnologias destroem e criam emprego; valorizam o emprego de uns e desvalorizam o de outros; e, acima de tudo, modificam as profissões, alteram perfis profissionais, requerem novas competências e qualificações. As tecnologias alteram o modo como trabalhamos e como nos organizamos para trabalhar, exigem reformulação de regulações do trabalho mas não as dispensam. Elas só são responsáveis pelas nossas desgraças se forem usadas para nos oprimir. Num mundo um pouco melhor, as tecnologias novas podem servir para nos libertar, nomeadamente, de trabalho rotineiro, pesado, opressivo e de longos horários.

As tecnologias não têm de ser as terminantes da nossa vida, mas antes determinadas pelo que queremos fazer da vida. Coletivamente temos a obrigação de garantir conexão entre as dimensões económica, social, cultural e política que enquadram e normalizam uma sociedade desenvolvida e democrática.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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