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20-09-2006        Diário Económico
O retorno de Foz Côa aos media tem tido ainda o efeito de dar voz a quem, aspirando talvez regressar ao passado, vem questionar a opção do governo de então.

A propósito dos dez anos da abertura do Parque Arqueológico do Vale do Côa (inaugurado em 10 de Agosto de 1996) saíram várias notícias na imprensa portuguesa. A maior parte difunde um retrato cinzento da realidade actual do Parque: "gravuras rupestres não atraem visitantes" ("Público", 10 de Agosto de 2006); "Parque de Foz Côa ilegal" (Expresso, 5 de Agosto de 2006)... O conteúdo dos textos denota a frustração de populações e autarquias locais por não se terem materializado plenamente as expectativas de desenvolvimento que acompanharam a decisão de proteger o património arqueológico. Como se sabe, o Parque foi instituído no seguimento da decisão do XIII Governo Constitucional presidido por António Guterres de preservar ‘in situ’ as gravuras paleolíticas descobertas no Vale do Côa e de em consequência abandonar a barragem então já em construção. Uma decisão tomada após uma controvérsia das mais vivas, na última década, em Portugal.

Este retorno de Foz Côa aos media tem tido ainda o efeito de dar voz a quem, aspirando talvez regressar ao passado, vem questionar a opção do governo de então: "com o museu que defendíamos e a toalha de água que permitia desportos náuticos, haveria uma animação completamente diferente", afirma, ao "Expresso", Mira Amaral, ministro da Indústria na altura da polémica; "O putativo ‘parque’ impediu que se acabasse uma barragem … que traria algum turismo e algum emprego ao interior, ‘esvaziou’ de gente a região e … está quase ao abandono", escreve V. Pulido Valente ("Público", 6 de Agosto).

Descontado o exagero, vale a pena lembrar que a barragem do Côa fazia parte integrante de um plano de grandes aproveitamentos hidráulicos cuja origem remontava aos anos 50 e que traduzia um modelo de desenvolvimento de tipo industrialista, definido centralmente e desintegrado do contexto envolvente. Terá sido, de resto, a dificuldade das entidades responsáveis (Governo e EDP) de defenderem, convincentemente, a barragem como factor de progresso que a diminuiu em face de uma promessa de desenvolvimento mais moderna e mobilizadora. Centrada na exploração do património cultural e arqueológico, a par do ambiente e da paisagem, este projecto opunha ao modelo normalizador uma ideia de "desenvolvimento local integrado" apoiado na especificidade e capacidade locais. Alguns autarcas, inicialmente favoráveis à barragem, acabaram por aderir a esta opção, casos como o do Pocinho que, anos após a construção da respectiva barragem, não conseguira inverter o processo de desertificação.

Ao contrário do que as citadas notícias sugerem, a verdadeira questão não é a opção política pela preservação do património, única compatível com a sua real valia e natureza (gravuras rupestres ao ar livre), como reconheceu a UNESCO ao classificá-las como património da humanidade (1998). Decisão, aliás, corajosa por ter sido capaz de valorizar o inquantificável: o prestígio internacional do país e da região; a colocação da arqueologia portuguesa no mapa da arqueologia mundial.

A questão é, sim, a da eficácia na condução do projecto que se elegeu. É que ela depende da verificação de pressupostos que só em parte estarão reunidos. Que a gestão do Parque é bem vista localmente decorre do reconhecimento da sua "visão integrada" sobre o património da região e da boa relação da sua direcção com "autarquias, escolas, entidades e populações" ("Público", 10 de Agosto). Não descurando embora a importância de uma maior união de esforços entre os agentes políticos, económicos e sociais da região, as principais limitações parecem advir da acção (ou inacção…) dos governos: o museu do Côa, projectado desde meados de 90, tem sofrido adiamentos sucessivos; a construção de acessos tem sido protelada por falta de investimento público. O "desenvolvimento local integrado" continua assim, hipotecado, em boa parte, ao "centro": justamente a lógica que se pretendeu inverter...

O privilégio conferido ao "turismo de paisagem" e ao "turismo cultural" no Plano Estratégico Nacional de Turismo (2006-2015) acende, porém, uma luz na penumbra do desenvolvimento de uma região que descobriu, de facto, um "tesouro" cultural, científico, ambiental. Que não se pretenda por isso ir em busca do tempo perdido… Mas não se perca a oportunidade de conquistar o futuro!