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20-12-2006        Diário Económico
A ASAE faz parte de uma nova geração de agências reguladoras cuja introdução encontra raízes na crise da BSE.

Faz dentro de dias um ano, foi criada a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Ao longo deste tempo, a acção da ASAE tem recebido uma cobertura mediática apreciável. E, certamente, por bons motivos: segundo um comunicado de imprensa disponível no seu ‘site’, foram inspeccionados ultimamente 666 operadores, tendo sido instaurados 345 processos de contra-ordenação e 9 processos-crime. A Autoridade apreendeu toneladas de produtos, tendo as infracções resultado de deficientes condições higiénicas, sanitárias e técnico-funcionais, falta de licenciamento e falhas de rotulagem, entre outras. As inspecções incidiram sobre diversos tipos de actividade: para além da segurança e qualidade alimentares, a ASAE exerce a sua actividade fiscalizadora junto da generalidade das actividades económicas.

Não restarão dúvidas sobre a utilidade desta intervenção. Mas, para quem tenha estado atento à génese daquela instituição e às circunstâncias em que ocorreu, não deixa de ser singular que a ASAE dedique a maior parte do seu tempo e dinheiro a acções de controlo e fiscalização da aplicação de regulamentos em matérias básicas como a higiene ou as condições de congelação, no que se refere aos alimentos. É que a ASAE faz parte de uma nova geração de agências reguladoras cuja introdução encontra raízes na crise da BSE ("doença das vacas loucas"), ou seja, no reconhecimento da necessidade de garantir não apenas a independência da regulação alimentar em relação ao poder político (o que não acontecia com os ministérios da agricultura que, em Portugal como noutros países europeus, tão lastimosamente haviam gerido a referida crise), mas também uma base científica sólida capaz de as habilitar a antecipar e a avaliar riscos mal conhecidos (como os respeitantes a produtos transgénicos, aditivos alimentares, alimentos funcionais, etc.). Um outro objectivo destas agências é "comunicar o risco" aos consumidores.

O que parece estar a verificar-se em Portugal é, de facto, uma desvalorização destas funções em prol da fiscalização. A criação da ASAE seguiu-se, aliás, a anos de hesitações e flutuações no modelo da agência em Portugal. Lançada inicialmente em 2000, durante o Governo de António Guterres, a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar pretendera, já nessa altura, concentrar num mesmo organismo quer as funções de avaliação, comunicação e gestão do risco, quer as de fiscalização. Mas foram numerosas as críticas advindas quer de associações de defesa do consumidor, quer de industriais de produção alimentar: duvidou-se da capacidade de uma "mega-organização" para gerir funções díspares, porventura inconciliáveis; e receou-se a subalternização da avaliação, remetida para um conselho científico meramente consultivo, sem qualquer estrutura de apoio. Na opinião do presidente da Federação da Indústria de Produção Alimentar, centrada na fiscalização, a agência só poderia assegurar o cumprimento das regras do direito alimentar já existentes. Ora, sublinhou, "na origem das crises alimentares existe, sobretudo, um problema de desajustamento das referidas regras ao conhecimento científico e à realidade actual".

Com o Governo de Durão Barroso a Agência viu a sua missão recentrada na avaliação e na comunicação do risco. A instituição da ASAE, há um ano atrás, traduziu-se na restauração do formato original da agência e, inclusive, na expansão da sua função fiscalizadora que extravasa agora da esfera dos alimentos e se estende a muitos outros tipos de produtos.

A comparação da ASAE com agências similares no Reino Unido ou em França torna clara a diferença de prioridades: a "Food Standards Agency", em cujo âmbito funcionam vários comités científicos, desenvolve e encomenda trabalhos de investigação tendo em vista informar o público com base na ciência "melhor" e "mais actualizada". A "Agence Française de Sécurité Sanitaire des Aliments" define-se como uma agência de "vigilância, alerta, ‘expertise’ e investigação dos riscos sanitários e nutricionais dos alimentos". Para avaliar a relevância atribuída ao desenvolvimento do conhecimento e da avaliação científica pela ASAE bastará talvez referir que o seu Conselho Científico só entrou em funções há cerca de um mês!

O que fica é o retrato de um país a braços com problemas do passado num continente preocupado sobretudo com os do futuro….