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10-01-2007        Diário Económico
A criatividade, a democracia intelectual e a cultura têm um papel urgênte a cumprir no desenvolvimento socio-económico.

Há um debate que se insinua, embora em Portugal ainda de forma difusa, sobre as condições favoráveis ao desenvolvimento das indústrias criativas e culturais. E no seu centro está o papel económico e regulatório da propriedade intelectual.

Num primeiro nível o debate está relacionado com as preocupações existentes sobre a competitividade das actividades baseadas no conhecimento no sistema económico contemporâneo. Num segundo nível a questão é necessariamente mais profunda já que tem ligações à autonomia simbólica dos povos no quadro da globalização, à riqueza cultural do espaço público, à democracia intelectual no acesso a ideias, conteúdos informacionais e patrimónios identitários.

O argumento que aqui se esboça é que estas questões estão directa ou indirectamente em causa sempre que surgem notícias sobre casos como o YouTube ou o ‘podcasting’, o lançamento do canal France 24, sobre as pressões de artistas como Paul McCartney e outros para estender a duração dos direitos de autor no Reino Unido para aquela verificada nos EUA (95 anos), sobre as acusações de plágio feitas a escritores como Ian McEwan ou Miguel Sousa Tavares, sobre o grau de difusão da banda larga em Portugal, etc.

O sector criativo é multifacetado. Compreende uma ampla diversidade de actividades específicas (media, arte, jogos de vídeo, arquitectura, moda, etc.), assim como actividades que constituem segmento de outras (como o turismo cultural, a distribuição ou o ‘design’). É ainda um sector tipicamente esquecido, sendo muitas vezes assumido como um sector não-industrial residual que habita espaços (lazer) que a actividade económica normal deixa por preencher. Contudo, a criação é uma actividade produtiva e interessante: sector de serviços com uma grande componente exportável, com grande peso de PMEs e trabalhadores independentes, com poder de arrasto sobre outros sectores como a informática e o turismo.

Quanto vale esta área? As mais recentes estimativas comparáveis foram apresentadas num estudo encomendado pela Comissão Europeia (Público, 6 de Novembro último). As actividades criativas contribuem directamente com 2,6% do PIB da UE-25 (dados de 2003), acima do imobiliário ou da indústria alimentar. A importância no emprego é maior ainda: representa 3,1% do emprego total (5,8 milhões de pessoas em 2004), preponderantemente qualificado (46,8% dos trabalhadores têm formação superior), saliente-se que o sector está a crescer significativamente acima da média do resto da economia, 17,5% ao ano entre 1999 e 2003. Os dados mostram que em Portugal o fenómeno regista um peso inferior à média, com 1,4% do PIB e 2,3% do emprego total, mas no qual o sector criativo-cultural foi o que mais cresceu no contexto da UE-15.

Este sector é ainda valioso por outras razões. E isto devido a um conjunto crítico de efeitos externos mercantis e não-mercantis: abre caminho a um clima de curiosidade e abertura que é complementar às actividades de outros ‘clusters’ inovadores, permite a revitalização de zonas urbanas desgastadas, contribui para o desenvolvimento local, alimenta um espírito de associativismo e voluntariado, promove a integração de imigrantes, favorece o diálogo e a coesão nas comunidades europeias.

Mas este sector também é frágil, como alguns alertas recentes assinalam. O eminente jurista norte-americano, e académico da Universidade de Stanford, Lawrence Lessig veio afirmar junto de nós que o regime tradicional de ‘copyright’ está a inibir o nascimento de novos negócios criativos na Internet (Público, 19 de Dezembro). Em alternativa as licenças do tipo ‘creative commons’ têm-se expandido no contexto específico que tem ainda sobretudo a ver com a difusão das obras intelectuais na Internet. Outra fonte igualmente insuspeita é o Relatório Gowers, trabalho encomendado pelo Governo Britânico sobre a reforma do sistema de propriedade intelectual na era digital. Este relatório (publicado há um mês e logo elogiado pelo Financial Times e pela The Economist) revela preocupações sérias sobre as inibições excessivas à utilização de material criativo, artístico e cultural. Em suma, propriedade intelectual não têm de significar privação intelectual.

Tudo isto significa que a cultura tem um papel urgente a cumprir na Agenda de Lisboa dos vários países, e o nosso não será excepção. A democracia intelectual e o desenvolvimento socio-económico estão ligados. Mais do que nunca.

 
 
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