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01-05-2004        Público
Passados 30 anos desse momento apoteótico que foi o 1º de Maio de 1974, é tempo de reflectir sobre as transformações em curso na esfera do trabalho e as dificuldades daí resultantes para o sindicalismo português.
É sabido que o processo de modernização democrática do nosso país desde o 25 de Abril não teria sido possível sem a persistente luta dinamizada pelo movimento sindical. As consequências mais evidentes desse processo foram, não o socialismo, mas o alargamento dos direitos sociais à classe trabalhadora e a crescente institucionalização das estruturas sindicais. De forças revolucionárias, os sindicatos foram promovidos a "parceiro social" e a melhoria relativa do nível de vida dos trabalhadores caminhou de par com a descrença no socialismo e as dificuldades de participação e filiação sindical. É porventura a lógica normal de "canibalização" das lutas sociais por parte do capitalismo.
Desde início marcado pela instrumentalização partidária, e estruturado em boa medida ao abrigo do crescimento do Estado, o nosso movimento sindical passou demasiado rapidamente de uma fase eufórica de lutas e reivindicações para uma fase de institucionalização relativamente acomodada às estruturas burocráticas e aos tiques corporativistas de boa parte da administração pública. Tendo sido o sector público aquele que mais cresceu em termos de filiação sindical, compreende-se que a lógica de aparelho tenha contaminado as práticas sindicais, contribuindo para atrasar o processo de renovação de quadros e dirigentes, de autonomização face aos partidos e de dinamização da democracia interna.
30 anos depois do 1º de Maio de 1974, os problemas do trabalho agravaram-se e algumas das principais conquistas dos trabalhadores perderam-se ou estão ameaçadas, sem que o sindicalismo actual se mostre capaz de contrariar este estado de coisas. No actual contexto, a fragilização dos sindicatos é na verdade sinónimo de fragilização dos trabalhadores, mas existem processos sociais mais vastos que estão na base dessa debilidade.
Por um lado, nos últimos vinte anos, uma aceleração global dos fluxos (materiais e imateriais) a todos os níveis, o que fragmentou as velhas classes sociais que serviram de suporte às principais lutas sindicais, recriando novas fronteiras e formas de desigualdade. Por exemplo, enquanto nas cúpulas da pirâmide social emerge uma nova elite constituída pelos profissionais altamente qualificados, dirigentes políticos, cientistas e académicos, que se instituem numa espécie de sobreclasse global, cuja condição privilegiada lhes permite usufruir da globalização e das inovações tecnológicas da sociedade da informação, na base da pirâmide submergem novas subclasses fortemente localizadas e dependentes, mesmo quando a busca de sobrevivência as leva a atravessar fronteiras ou continentes. Estas, são de facto as novas vítimas do capital global. Este novo subproletariado, que sobrevive nas fronteiras da exclusão social, não é evidentemente sindicalizável, mas o problema é que – sobretudo num quadro de desemprego crescente –, estes exemplos pautam os comportamentos da força de trabalho mais vulnerável, constituindo um poderoso mecanismo dissuasor e produtor de apatia e resignação, mesmo para quem (ainda) tem emprego.
Por outro lado, a mentalidade autoritária e as práticas de gestão autocráticas que definem o nosso patronato mais retrógrado, designadamente dos sectores industriais (mas não só), parecem indiferentes ao progresso dos indicadores sociais. Numa sociedade em transição, ainda marcada pela tradição rural, pelas relações sociais de tipo servil e paternalista, pela docilidade face aos poderosos, pelos sentimentos de insegurança, pelos efeitos da tutela autoritária do Estado Novo, estes traços dão lugar, no actual quadro de «pós-contratualismo» global, ao acentuar da insegurança e da precariedade das relações de trabalho, agravando drasticamente o pessimismo e a apatia cívica e política a todos os níveis.
Existem porém, sinais de algum esforço de renovação da prática sindical, ou, no mínimo, de abertura à discussão por parte dos principais dirigentes. Questões como a viabilidade económica das empresas, a inovação tecnológica, a formação profissional, o desenvolvimento sustentável, a discriminação da mulher, a atenção às minorias, as alianças com os novos movimentos sociais, etc., ocupam boa parte das preocupações dos sindicalistas mais esclarecidos. As acções reivindicativas e a luta colectiva são cada vez mais pensadas como parte de processos negociais e programas de diálogo virados para a defesa dos direitos do trabalhador, mas onde a competitividade e a produtividade fazem cada vez mais parte da agenda. Não basta, porém, que o sindicalismo deixe de demonizar os empresários, é também necessário que os empresários não confundam a renovação dos sindicatos com a sua total subserviência ou pura extinção.

 
 
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Elísio Estanque