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14-11-2005        Diário de Coimbra
Quando estamos a cerca de dois meses das eleições presidenciais, a candidatura de Cavaco Silva (CS) surge objectivamente como a mais que provável vencedora. Todavia, essa vantagem deriva das mesmas razões que hoje fragilizam a nossa democracia e intensificam a crise da própria política. Ou seja, o discurso eminentemente tecnocrático de CS, com a aura de neutralidade e a postura de "salvador"; em que se coloca, encerra em si mesmo uma atitude de negação da política.
Cavaco esconde-se na sua pose institucional e supra-ideológica para melhor fazer passar a doutrina liberal que perfilha e que já lhe conhecemos durante dez anos. É a meu ver um perfil pouco adequado para o presidente de um país europeu com problemas não só económicos mas também – e sobretudo – sociais. É justamente porque boa parte dos problemas com que nos debatemos hoje resultam do excessivo liberalismo económico do mundo actual que o presidente que precisamos deve ser alguém que personifique uma atitude e uma prática que se oponha a tais excessos. Ou seja, alguém que prefira pôr a economia ao serviço da sociedade e não o contrário. É sabido que CS vê o mundo a partir dos estreitos cânones do economicismo mais abstracto. E a sua aparente vantagem nesta corrida deve-se sobretudo ao facto de muitos portugueses já terem esquecido os efeitos destrutivos dessa visão quando em 1995 o mandaram para casa. A vitória de Cavaco, a ocorrer, será a derrota da política.
Nenhum dos dois candidatos da área do PS é o candidato ganhador que a esquerda necessitava. Mário Soares (MS) foi, como se sabe, um protagonista central e decisivo das mudanças políticas do país nos últimos quarenta anos e enfrentou desafios que marcaram definitivamente a nossa democracia. O tributo que devemos prestar-lhe e o lugar que ocupa na história portuguesa contemporânea são inquestionáveis. Mas é o passado que ele personifica. Mais do que a questão da idade é o lugar simbólico que inelutavelmente o liga a um ciclo que já se cumpriu, e que não se repete. Isso faz dele um candidato fraco. É também o modo como o PS (e ele próprio) assumiu a sua candidatura, descartando sem mais uma possível alternativa da mesma área, que já estava em marcha, o que denuncia práticas e processos decisórios bem ilustrativos, pela negativa, da perversão democrática que perpassa as estruturas partidárias.
A candidatura de Manuel Alegre (MA) foi, com efeito, marcada por hesitações associadas quer às recusas de Guterres e Vitorino quer ao apoio do PS a Soares. Além disso, é sabido que não colheu suficientes apoios internos no seu partido para que se tivesse tornado o principal opositor de CS, cuja candidatura há muito se adivinhava. Seja como for, ao decidir avançar, MA abriu uma nova opção ao eleitorado que não se revê nem no registo esfíngico e tecnocrático de CS nem num MS em fim de ciclo. É certo que isto cindiu o eleitorado da área PS e, aparentemente, dá mais vantagens ao candidato da direita. Mas também é verdade que a divisão esquerda/ direita já não é o que era e que, especialmente em eleições mais personalizadas como é o caso das presidenciais (e das autárquicas), a dispersão de votos obedece a escolhas menos ideológicas, onde a imagem, a personalidade e o prestígio dos candidatos são os factores decisivos.
As bandeiras que no passado orientaram a acção política de MA são em muitos pontos coincidentes com as de MS, mas o primeiro possui hoje melhores condições para capitalizar esse património sem as desvantagens que MS apresenta nestas eleições. Na actual conjuntura, a candidatura de Alegre é sem dúvida uma alternativa mais abrangente e também mais credível e renovadora do que a de Soares. Não desempenhou cargos públicos da mesma importância, mas é mais novo e não aparece como um "remake"; do passado. No seu percurso de vida foi sempre coerente com os seus valores. Foi sempre uma voz livre, crítica e independente na defesa patriótica do seu país, por vezes demarcando-se da direcção do partido. Protagonizou uma candidatura à liderança com um projecto inovador de renovação e de abertura do partido, enfrentando diversas pressões do aparelho. O facto de não ser o candidato oficial do PS pode tornar-se uma vantagem acrescida, caso venha a obter um melhor resultado que MS, obrigando o partido a ver-se ao espelho e a questionar as debilidades orgânicas do seu funcionamento, o défice de debate interno e o esvaziamento ideológico que tem revelado. O passado de luta de MA, a sua postura política e o prestígio de que goza como poeta e escritor permitem-lhe ambicionar um resultado positivo e eventualmente a passagem a uma segunda volta nas eleições. E, se isso acontecer, pode até vir a vencê-las. De resto, para surpresa de muitos, esse cenário aparece como perfeitamente plausível, segundo as sondagens até agora efectuadas.

 
 
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Elísio Estanque