Centro de Estudos Sociais
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24-09-2009        Visão
Não vivemos tempos normais. Como a normalidade é o pressuposto das sondagens suspeito que os resultados eleitorais nos trarão surpresas. Em que consiste a anormalidade? O clima de insegurança generalizada sobre a sustentabilidade do nível de vida que se vem deteriorando desde o início da década e que sofreu abalos acrescidos nos últimos tempos, primeiro, com os ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte do Governo de Durão Barroso e do actual Governo durante o período Correia de Campos e, segundo, com a precarização dos direitos dos trabalhadores (código do trabalho) e a eclosão da crise económica com o consequente aumento do desemprego.

A insegurança gera uma atitude de espera sem grande esperança que perscruta, entre as propostas de governo, a que cause menos dano, não a que traga mais benefícios. Esta atitude é feita de uma mistura de incerteza e de lucidez donde emerge uma insondável ambiguidade. A incerteza decorre de os cidadãos não saberem se o que perderam com o governo PS é superior ou inferior ao que deixaram de perder por ser um governo PS e não um governo PSD. A lucidez reside em saber que, dos dois abalos recentes - a erosão do SNS e a crise económica - só o primeiro pode depender do governo. A superação da crise económica não depende do governo de um país pequeno, de desenvolvimento intermédio, integrado na economia europeia mais desenvolvida. Ao governo caberá gerir a crise e esperar por melhores ventos que certamente soprarão de fora. Naturalmente essa gestão terá nuances diferentes com impactos nas políticas sociais e sobretudo nas políticas de saúde. Mas para que tais nuances sejam significativas é necessário que ocorra uma maior polarização política, o que para uns passa pelo fortalecimento do CDS e, para outros, pelo fortalecimento do BE e do PCP. Neste domínio, a direita tem uma desvantagem importante. Manuela Ferreira Leite carrega consigo, sem querer, o espectro do salazarismo. Para os portugueses, o discurso da austeridade, do equilíbrio financeiro, e do sacrifício significa, nos subterrâneos da memória, estagnação, atraso, mediocridade histórica. Este é o fardo que MFL, de facto, já descarregou sobre os portugueses quando governou. Acontece que, estando nós em democracia - a asfixia não está na TV; está na exclusão social e na desolação silenciada que produz - MFL não será eleita se disser o que vai fazer. Os silêncios do programa são, assim, um misto de honestidade e de autoritarismo. Mas o PS também tem um fardo pesado: a promiscuidade entre o sector público e o sector privado de que são um exemplo chocante os negócios de Jorge Coelho, o caso extraordinário de alguém que, não tendo podido governar o país a partir do Estado, parece pretender fazê-lo a partir de uma empresa.

É nas políticas sociais e sobretudo de saúde que o próximo governo pode fazer a diferença. A grande maioria dos portugueses precisa e vai precisar cada vez mais do SNS. Da direita sabe que não pode esperar o seu fortalecimento. E do PS? Depende do partido com quem fizer acordo de governo, pois o PS, por si, está afundado na promiscuidade acima referida. Pouco tempo depois de entrar em funções a actual Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças fez um contrato escandaloso entre a ADSE e o Hospital da Luz, criando assim um mercado de saúde à custa do Estado e em detrimento da melhoria dos hospitais públicos. Entretanto, o sector privado responde segundo a sua lógica, a do lucro, e comete duas ilegalidades perante as quais a Entidade Reguladora da Saúde nada faz. Apesar de beneficiados com a ADSE, os hospitais privados discriminam os beneficiários do sistema: dão prioridade às marcações de consultas vindas dos seguros privados. Segunda ilegalidade: quando as doenças se agravam as seguradoras cancelam as apólices e "mandam"; os doentes para os hospitais públicos de quem, entretanto, se pede uma gestão empresarial. Perante a incerteza que tudo isto cria a lucidez do voto é mais do que nunca necessária. E mais do que nunca difícil.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos