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15-04-2007        Público
No momento em que se celebra mais um aniversário do 25 de Abril de 1974, e perante as profundas transformações que na última década vêm fustigando o campo do trabalho no nosso país (e no mundo), fará sentido interrogarmo-nos onde pára o espírito da Revolução dos Cravos? A mentalidade servil e conformista que se vem espalhando em diferentes áreas do emprego não será a negação sociológica das promessas de Abril?
Vão longe os tempos das velhas ilusões colectivistas e dos ideais socialistas da época – a solidariedade, a igualdade, a justiça social, etc. O actual cenário social e laboral é marcado pelo individualismo, indiferença e por sentimentos de vulnerabilidade, de insegurança e de dependência. Em vez de formas de gestão modernas e democráticas, da responsabilidade social das empresas, do diálogo social, da autonomia individual, do respeito pela cidadania – salvo as poucas e honrosas excepções – prevalece o autoritarismo e um absoluto seguidismo imposto pela hierarquia. Os próprios subordinados, trabalhadores e funcionários abdicam dos seus direitos, na expectativa de com isso preservarem o emprego ou consolidarem a sua posição. O elo fraco está cada vez mais fraco e a aversão ao sindicalismo – ou a qualquer outra forma de associativismo autónomo – tornou-se a regra. A cultura anti-sindical impõe-se a partir do topo e estende-se até à base da pirâmide. A luta que resta é hoje meramente individual e pela segurança, ou seja, regressámos às necessidades primárias!
O ponto nevrálgico está, pois, nas lideranças e no espectro do desemprego. E as empresas, a administração pública, as universidades, etc., são sempre o espelho da sociedade. Estamos perante uma lógica em cadeia, imposta de cima, que penetra nos níveis intermédios e atinge os inferiores, isto é, um processo em que as chefias, os directores, os coordenadores, etc., no fundo, aqueles que centralizam o poder em diferentes sectores, sobem e ganham protagonismo não pelas suas qualidades e talento, não porque possuam reconhecido mérito ou grandes competências técnicas, não porque sejam inovadores e tenham mais iniciativa do que os outros, mas, pelo contrário, eles sobem justamente quando já deram repetidas provas de que obedecem à "voz do dono". De que seguem até ao fim a vontade e a estratégia de poder daqueles que os promoveram ou os propuseram. É sobretudo por isso que são nomeados, chamados para encabeçar listas, para assumir cargos e controlar posições-chave dentro das instituições. A "lealdade" e a "confiança", em vez de traduzirem dedicação à instituição e à sociedade, tornam-se meros paliativos para esconder obediências pessoais.
Mais de três décadas após o 25 de Abril o que é premiado é antes de tudo o espírito obediente, submisso e acrítico! A falta de verticalidade tem vantagens, não o espírito livre e autónomo. E obviamente que quem ascende pela obediência jamais pode aceitar que abaixo de si subsista a mais leve irreverência. Resulta daí que, aqueles que mostrem a mais pequena veleidade em questionar as opções da cadeia hierárquica (ou por exemplo sindicalizarem-se), embora competentes, entram de imediato nas listas de candidatos à "prateleira" ou à eterna estagnação na posição subalterna ou burocrática que ocupam, quando não são simplesmente despedidos no final do contrato (precário, pois claro!). Deste modo, a obediência cega vem-se tornando um padrão. Um requisito já não para progredir mas tão somente para agarrar o emprego a todo o custo.
Mas quem são, afinal os donos das vozes do dono? São os detentores do poder. Porém, este é um poder social que não possui um único centro. Ele dissemina-se no mundo empresarial, na administração pública, no parlamento, nas universidades, etc., assumindo formas distintas e cobrindo diversos âmbitos. Perante isto, aos cidadãos e trabalhadores – dos que já esqueceram as promessas de Abril aos mais jovens que as ignoram –, cabe perguntar se o discurso tecnocrático, hoje novamente dominante, sobre a aposta nas pessoas, nas qualificações, nas oportunidades e no mérito, não será uma enorme falácia?! Para além disso, a pergunta inquietante que resta fazer é se não será, afinal, o próprio vértice superior do actual poder político o exemplo supremo que estimula de facto esta cultura da "voz do dono"? O que é feito do espírito de Abril? (http://boasociedade.blogspot.com).


 
 
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Elísio Estanque