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28-12-2007        Diário de Coimbra
No actual contexto político, como sabemos, o PS é um partido completamente domesticado perante o governo e o seu líder (isto é, um partido sem alma nem vida própria). E em Coimbra, perante a total descredibilidade e paralisia das estruturas dirigentes, vão-se tornando cada vez mais audíveis as vozes críticas e começam a perfilar-se os putativos candidatos à liderança (concelhia e distrital), procurando mover influências e conquistar apoios. É a habitual dança nos partidos com vocação de governo: quando os seus índices de popularidade sobem ou as lideranças regionais parecem sólidas, cala-se a turba sob o calor aconchegante de quem se sente próximo do poder; mas, aos primeiros sinais de declínio, elevam-se do mesmo passo as vozes discordantes. Quando os intervenientes se apoiam na expectativa (ou na ilusão) de chegarem ao poder – ou, de um modo ou de outro, dele virem a beneficiar –, mal o partido vence as eleições, nada mais há que discutir ou que exigir a não ser as devidas contrapartidas, ou seja, as benesses, as compensações materiais, a disponibilização dos serviços e lugares, a oferta do emprego, etc., prometidas em troca daqueles tantos votos... (ou mais do que isso).
Aconteceu no passado recente e certamente se repetirá. É sabido que no actual ciclo da vida política portuguesa, na era do socialismo dito "moderno" – onde a ideologia de esquerda, socialista ou social-democrata, foi trocada pela tecnocracia, que não é senão a ideologia da "não-ideologia" –, impera a lógica do poder pelo poder e prevalece a cultura dos interesses e a troca de favores, que desde há muito substituiu o debate democrático. Mas, mesmo quando as "causas" de fundo já não importam, seria interessante que alguém se questionasse acerca do papel de um partido de poder, quando está no governo. No caso do PS, e na actual conjuntura, parece óbvio que as estruturas do partido, se funcionassem, deveriam ter como principal função ajudar o governo a consolidar o seu poder, mas ao mesmo tempo pressioná-lo a cumprir o seu programa. A melhor forma de ajudar não é curvar-se e aceitar tudo, mas sim – como qualquer verdadeiro assessor deve saber – ser a "consciência crítica" do líder. Isto é, se o partido conseguisse manter a sua ligação às bases e aos eleitores, poderia por um lado canalizar para o governo as preocupações do eleitorado e, por outro lado, ajudar as populações a compreender as medidas e as políticas governativas, sem que isso impedisse a crítica sempre que as expectativas e as promessas fossem defraudadas ao olhos das populações.
Independentemente de se concordar ou discordar do actual governo, o modo centralista como a equipa de Sócrates tem gerido uma série de dossiers, e a sua ostensiva recusa em conquistar para as reformas os sectores por elas directamente atingidos, designadamente o movimento sindical, reforça ainda mais a importância que o PS poderia assumir enquanto elemento de ponderação e mediação entre o governo e a sociedade. E mesmo que isso não aconteça por vontade do secretário geral poderia acontecer por iniciativa dos responsáveis distritais ou concelhios, se estes não estivessem comprometidos com os seus próprios interesses ou dificuldades pessoais. Por isso é tão preocupante a paralisia do partido na região de Coimbra. Pela mesma razão, qualquer mudança no partido exige uma mudança nas suas lideranças.
O problema é que nos grandes partidos estão, no topo, os dirigentes, a seguir, os que deles dependem ou que ambicionam substitui-los, e só depois e a grande distância os militantes de base, que apenas legitimam a rotatividade ou alternância entre os estratos superiores. A vida política e partidária é uma espécie de jogo de póquer com os dados viciados. Se as estruturas dirigentes quisessem de facto a mudança e a renovação, procurariam estimular o debate em torno de propostas (se elas existissem), de concepções de funcionamento ou de programas de intervenção social e institucional, de modo a propiciar a emergência de novos protagonistas, novas ideias e novos potenciais lideres com base na sua capacidade e talento político.
Todavia, a mentalidade instalada é refractária a tudo isso. E os exemplos vêm de cima! As teias que amarram o partido tecem-se de interesses pessoais, de lealdades cegas, de ressentimentos e ódios acumulados, de jogos de cintura, de oportunismos múltiplos. Se existisse uma cultura de debate e de consciencialização social e política das bases e dos quadros, tudo seria mais fácil. Primeiro, combater o oportunismo daqueles que, dado o seu protagonismo junto das sedes de poder, conseguem alterar e reconstruir constantemente as suas redes de alianças, dizer isto e o seu contrário, estar com este e com o seu adversário, prometer aqui e prometer acolá o oposto; e, segundo, dar espaço à política (à boa política), ao debate de ideias, às gerações mais jovens e menos viciadas no aparelho. Este, porém, não se afigura como um cenário viável no curto prazo. Podemos ir repetindo que os partidos são essenciais à democracia (e são), mas a continuarem assim estão a trabalhar ou para a lenta agonia da vida democrática e partidária ou para o surgimento de outros partidos e movimentos que ocupem o espaço da política das ideias, das causas e da transparência!

 
 
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Elísio Estanque