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26-03-2009        Diário de Coimbra
Todos reconhecem que Coimbra está em perda e precisa de um novo ânimo. Precisa-se de um projecto ambicioso, capaz de mobilizar os cidadãos e de recolocar a cidade na posição de relevo que já possuiu no país e de capital da região centro, que vem correndo o risco de perder. A falta de ambição, de dinâmica e de capacidade revelada pelo poder autárquico não pode deixar de ser associada à força crescente do compadrio e da promiscuidade dos interesses económicos, que ilegitimamente em tudo mandam e tudo decidem. Os poderes que mais têm prejudicado a cidade – esta e muitas outras – são os que se guiam acima de tudo pelo cheiro do dinheiro, não importa quais os meios para chegar até ele. São esses poderes que corroem por dentro as instituições locais e os próprios partidos. E são essas redes de interesses, e os seus negócios oportunistas e criminosos, que sugam os recursos públicos e afastam a acção partidária da sua vocação transformadora através da força das ideias e do debate ideológico.

É por esse motivo que a classe política e os partidos são cada vez mais olhados pelo cidadão comum como uma espécie de organizações de malfeitores. É por isso que, em especial na actual conjuntura, é tão difícil promover um projecto mobilizador, de esquerda, capaz de mobilizar a cidade e de se assumir como uma alternativa à actual gestão de Carlos Encarnação. É por isso que uma candidatura credível da esquerda para Coimbra não pode obedecer nem à pura lógica do aparelho de um partido (mesmo de um partido de esquerda) nem a um idealismo voluntarista que ignore a importância das estruturas partidárias. Porque, como sabemos, isso é decisivo para mobilizar recursos – neste caso, no bom sentido – para pôr no terreno uma campanha eleitoral bem sucedida.

Neste momento, além da crescente corrosão que atravessa os partidos em geral, em Coimbra estamos perante uma imagem de grande descrédito das actuais lideranças do PS, dada a existência de graves suspeitas e processos judiciários envolvendo figuras responsáveis do partido. Em condições como esta, uma candidatura da área política socialista, se quiser mostrar-se como projecto sério e consequente, terá de assentar em "coligações"; amplas e abrir-se à sociedade. Na autarquia coimbrã a impressionante promiscuidade política entre poder e oposição só tem contribuído para queimar todos os partidos (excepto o Bloco, o único que tem feito efectiva oposição). Assim, se a esquerda quer efectivamente vencer a actual coligação PSD/PP tem aí uma boa oportunidade, mas isso requer propostas concretas a curto prazo e que as mesmas sejam discutidas abertamente com os cidadãos.

Um projecto sério não pode nem ser um projecto sem rosto, nem apenas um rosto sem projecto. O poder é cada vez mais personalizado e o cidadão comum só dará credibilidade a uma candidatura se ela estiver associada a um nome que lhe dê garantias de competência, dinamismo e seriedade. A ideia de que se pode "fabricar a imagem do candidato"; é ilusória. Pode-se moldar e adaptar, pode-se "retocar";, mas não se pode dar prestígio e carisma a quem ostensivamente não os possua. Fundamental é discutir os princípios e ideias-chave, e dar-lhes conteúdo político em função do projecto de mudança que se queira prosseguir e do enquadramento ideológico em que se insere. Porém, tais princípios terão de condizer com o perfil do candidato, do mesmo modo que o programa deverá incluir a participação do próprio cabeça de lista, desde a sua concepção.

Coimbra precisa de uma candidatura de mudança. Ela pode sair da orla de um partido, mas é importante que venha de fora da lógica estrita do aparelho. Para ser vencedora precisa do apoio e do envolvimento activo do PS (e desejavelmente das outras forças de esquerda), mas teria de se apoiar em ideias arrojadas e num consenso alargado e discutido com a cidade. Um candidato unitário da esquerda seria o ideal – embora esse seja um sonho inverosímil. Só uma estratégia ousada e livre das habituais amarras aparelhísticas poderá recuperar o prestigio e a centralidade perdida da cidade. Importa projectar o futuro de Coimbra em ligação estreita com a universidade; afirmar a cidade como um pólo de investimento e de criação de emprego qualificado; dar um novo sentido aos conceitos de património, comunidade e democracia; promover a riqueza histórica, cientifica e cultural da cidade; e envolver os cidadãos nas grandes decisões, na base da transparência e de modelos inovadores de gestão participativa. A cidade e a vida política exigem isso dos partidos. E estes, só poderão inverter o ciclo de descrédito em que entraram se forem capazes de chamar a si aqueles que, além de serem competentes, não precisem da política para terem emprego ou notoriedade.

 
 
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Elísio Estanque