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23-07-2017        Jornal de Notícias

A Altice construiu um enorme império internacional, de França aos EUA, num muito curto espaço de tempo, através de uma estratégia de aquisições que se serve de mecanismos perversos da financeirização da economia e tem o endividamento como instrumento fundamental. A Altice beneficiou do ambiente de baixas taxas de juro dos últimos anos para a maior expansão da sua breve história. Utilizando sociedades veículo endivida-se junto da banca internacional e de fundos de investimento para financiar as suas aquisições.

Os lucros das empresas adquiridas são usados para pagar a dívida acumulada pela casa mãe. Como a dívida é enorme, cada nova empresa adquirida – caso da PT –  é de imediato espremida até ao tutano. Para atingir esse objetivo vai criando empresas intermediárias (empresas biombo) que através de sistemas de empreitada vão executar as tarefas que estavam cometidas à PT e às suas estruturas. Neste processo, fazem transferência de serviços, e dos trabalhadores que necessitam, eliminando-lhes os vínculos que tinham à PT e associando agora o seu emprego ao futuro dessas empresas que a qualquer momento podem colapsar.

As telecomunicações – sector estratégico a que qualquer Estado tem de dar muita atenção – são particularmente atraentes para este tipo de negócio. O avanço tecnológico e o desenvolvimento das sociedades tornaram este sector prestador de serviços essenciais: é assim um sector de atividade que não pode falir. Por outro lado, a efetividade das comunicações gera fluxos de caixa razoavelmente constantes ao longo do tempo (fruto das nossas contas de cabo, internet e telefone) e tem uma estrutura de mercado normalmente com muito poucos concorrentes.

Todavia, com uma dívida que ronda os 50 mil milhões de euros, a Altice é uma empresa vulnerável a mudanças nos mercados financeiros. Em 2014, perdeu 40% do seu valor bolsista em três meses. A estratégia para reduzir riscos passa então, não por investimentos de longo prazo que garantam a viabilidade futura da empresa num sector onde a inovação tecnológica impera, mas sim pelos ganhos de curto prazo, fruto de processos agressivos nomeadamente: i) despedindo o mais possível, cortando salários a todo o custo, criando instabilidades nos trabalhadores através de velhos e novos processos de assédio moral, forçando transições para outros estabelecimentos transformados em empresas predatórias, impondo práticas que forcem ou subvertam os limites legais, situação escandalosa a que estamos a assistir; ii) através de aquisições de empresas de conteúdos, como é o caso da Media Capital, procuram potenciar sinergias. Diga-se, entretanto, que esta via não é nova, pois já foi tentada em Portugal, com fracos resultados, pela própria PT, aquando da compra do conglomerado da Lusomundo.

A Altice está a acabar com os símbolos da inovação da PT, como o Sapo, a fazer fuga de capital para pagar a dívida da casa mãe, através de esquemas como o inacreditável caso da taxa de 50 a 70 milhões de euros que a PT terá de pagar à casa mãe para usar o nome “Altice”. O que está em marcha é um cenário de pesadelo não só para os trabalhadores da PT, mas para o país. O poder político tem o dever de chamar a atenção para o que se está aqui a passar e deve intervir. Tem ainda de assumir que não basta ter parado as privatizações; é preciso um olhar atento e crítico às práticas de empresas com posições semelhantes na economia nacional.

São inqualificáveis os comentários da Direita: preocupa-se com a possível “perda de valor” que possa estar a acontecer (qual valor e qual o seu destino?) e mantém um criminoso distanciamento da situação dramática dos trabalhadores. Há sectores da Direita que odeiam os direitos no trabalho.

A Altice, especialista na subversão de compromissos, designadamente através da contratação de grandes escritórios de advogados treinados em tornar legais práticas predatórias, está não só a destruir muito emprego no presente, como a trabalhar para o abaixamento futuro da sua qualidade em todo o país e para a liberalização absoluta das relações de trabalho. Se queremos um país desenvolvido e uma economia competitiva, que não dispensa inovação tecnológica e trabalho qualificado, trabalhe-se, urgentemente, a reversão do processo.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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