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05-10-2000        Visão
Pese embora alguns excessos, os protestos contra a (des)ordem neoliberal global por ocasião da reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional em Praga constituiram mais uma afirmação vigorosa de que as lutas democráticas transnacionais são já hoje um pilar importante do sistema político internacional e de que o seu impacto se repercute tanto nas políticas nacionais, como nas locais. Depois de Seattle, Washington, Montreal, Genebra e Praga, torna-se cada vez mais evidente que o campo democrático, para ter êxito, não pode reduzir-se às lutas locais e nacionais. A grande maioria dos manifestantes em Praga não protestaram contra a globalização. Protestaram contra a globalização predadora, protagonizada pelo capitalismo global, em nome de uma globalização alternativa, mais justa e equitativa, que permita uma vida digna e decente a toda a população mundial e não apenas a um terço dela como actualmente sucede.


O êxito dos movimentos e organizações que lutam por esta globalização alternativa deve ser medido pelo seu impacto em cada um dos quatro níveis do processo de decisão política, os quais, por ordem crescente da sua efectividade, são os seguintes: definição dos temas da agenda política; transformação da retórica dos decisores; alterações institucionais; mudanças efectivas de actuação. Pode afirmar-se com alguma confiança que o impacto dos protestos é já evidente nos dois primeiros níveis, sendo uma questão em aberto saber-se até que ponto se estenderá aos dois últimos. Se as questões da pobreza e fome no mundo, da crescente desigualdade entre ricos e pobres e do perdão da dívida dos países mais pobres estão hoje na agenda política, isso deve-se em grande medida ao movimento democrático transnacional. O mesmo impacto é visível ao nível da retórica dos decisores e das instituições. Na reunião de Praga o Presidente do Banco Mundial afirmou: "algo está errado se os 20% mais ricos da população mundial recebem mais de 80% do rendimento mundial". Segundo ele, a continuar esta situação - em que metade da população mundial vive com 400$00 por dia ou menos - o mundo caminha para um "colapso social". Palavras fortes, pois, que ecoam as palavras da rua.

Até agora, a mudança de agenda e de retórica não conduziu a resultados significativos. A situação mais flagrante é a do alívio ou perdão da dívida externa. Apesar das promessas feitas, os países mais pobres continuam asfixiados pelos juros da dívida que, no caso de países como a Zambia, Tanzania e Senegal, são superiores ao que gastam em saúde e educação. Dos 41 países incialmente elegíveis para a concessão do alívio da dívida não mais de 15 serão beneficiados até ao final de 2000. Se a pressão democrática continuar, é possível que os indícios de mudança - ao nível das novas prioridades na concessão de empréstimos - se transformem em mudanças efectivas que, aliás, terão de ter lugar também ao nível das soluções institucionais. Um economista de peso, Jeffrey Sachs, acaba de propor a substituição do Banco Mundial por uma Agência de Desenvolvimento Mundial. O importante é que se saiba que por detrás destas instituições multilaterais estão os países ricos (os G-7) que as usam para defender as suas populações da revolta dos pobres e esfomeados do mundo

 
 
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Boaventura de Sousa Santos