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02-11-2000        Visão
Os norteamericanos estão a poucos dias de eleger o seu Presidente e os portugueses vão-se preparando para fazer o mesmo. As realidades sociais e políticas dos dois países são tão distintas que as comparações fazem pouco sentido. Há, no entanto, sintomas comuns que merecem alguma reflexão.


As mesmas razões que, como referi na crónica anterior, têm levado a maioria dos norteamericanos a desinteressarem-se da política têm levado alguns sectores inconformados a buscar uma alternativa que torne a pôr os cidadãos comuns no centro das decisões políticas. Essa busca tem vindo a intensificar-se nos últimos anos e o seu resultado mais conseguido é a actual candidatura de Ralph Nader, proposta pelo Partido dos Verdes e uma vasta coligação de movimentos cívicos. Nader tem a credibilizá-lo 40 anos de luta em defesa dos consumidores e dos trabalhadores contra o grande capital. O seu compromisso eleitoral é uma forte pedrada no charco: financiamento público dos partidos; salários mínimos que ponham fim ao absurdo de, depois de dez anos de crescimento económico, a maioria dos trabalhadores ganhar hoje menos e trabalhar mais 160 horas por ano que em 1973; defesa do sistema de segurança social; criação de um seguro universal de saúde financiado pelo Estado; controle apertado da licença de porte de armas; abolição da pena de morte; legalização das uniões de homossexuais; um vasto programa de defesa do meio ambiente; abolição dos obstáculos à sindicalização; fim da Organização Mundial do Comércio e da sua hostilidade aos direitos dos trabalhadores e dos consumidores do meio ambiente; redução de 20% das despesas militares. Nader necessita de obter 5% dos votos para o Partido dos Verdes passar a ter financiamento do Estado. O grande obstáculo reside na iminência de Al Gore perder as eleições. Ante o fantasma do voto útil, muitos cidadãos de esquerda acabarão por votar no "menos mau".

Em Portugal a situação é muito distinta, até porque não há (infelizmente) expectativa de a esquerda se unir atrás de um único candidato. Mas há um sintoma comum: ao fim de 15 anos de integração na UE, as grandes reformas estruturais estão por fazer, as desigualdades sociais continuam a aumentar, o debate político não existe e nenhum dos grandes partidos parece ter soluções eficazes para os problemas do país. Não admira que muitos portugueses estejam hoje desiludidos da política e dos políticos. Mas tal como nos EUA, um sector inconformado tem vindo a procurar uma alternativa. E, de facto, encontrou-a nas últimas eleições legislativas com a eleição dos dois deputados do Bloco de Esquerda. Em menos de um ano, o BE consolidou de forma brilhante essa alternativa: a força política mais eficaz com 28 propostas de lei apresentadas, 8 aprovadas na generalidade e 1 na especialidade; 106 requerimentos ao Governo; linha aberta aos cidadãos; intervenção progressista em áreas tão diversas quanto a segurança social, financiamento dos partidos, laicização do Estado, reconhecimento das medicinas alternativas, ensino superior, farmácias públicas nos hospitais, uniões homossexuais.

Fernando Rosas tem a caucioná-lo não um passado como o de Nader, mas o trabalho notável do BE, sem dúvida o único facto político novo e verdadeiramente auspicioso depois da candidatura presidencial da Eng. Maria de Lourdes Pintasilgo em 1986. E, ao contrário dos norteamericanos, os portugueses de esquerda que votarem em Rosas para fortalecerem o BE fá-lo-ão livres do fantasma do voto útil já que é certo que o Presidente Sampaio ganhará tranquilamente as eleições.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos