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14-12-2000        Visão
Tenho sempre defendido que a UE deve ter uma política externa autónoma em relação aos EUA. Entre outras razões, porque o poder militar dos EUA excede em muito o seu poder económico, tendo este último sempre a tentação de recorrer ao primeiro para prevalecer. Daqui decorrem a distorção da concorrência entre os blocos económicos e a crescente militarização do mundo. O conflito mais explosivo dos próximos anos pode vir a ocorrer na Colômbia, em resultado da aplicação do Plano Colômbia, com impactos decisivos na região. A UE, e muito particularmente Portugal e a Espanha, Têm responsabilidades históricas que não podem alijar sob qualquer pretexto.


O Plano Colômbia foi proposto em Agosto de 1998 pelo novo Presidente da Colômbia para mobilizar o apoio da comunidade internacional para o processo de paz que prometera encetar. O objectivo era partir da paz - pouco depois iniciavam-se as negociações com o maior grupo guerrilheiro, as FARC - para promover um amplo programa de desenvolvimento social que permitisse oferecer aos camponeses pobres uma alternativa real ao cultivo da coca. Acontece que, uma vez entregue nas mãos dos EUA, o Plano sofreu, entre 1998 e 2000, uma radical transformação: de um plano de paz e desenvolvimento passou a um plano de ajuda militar destinado a eliminar a guerrilha, envolvendo a guerra química - a fumigação das culturas da droga - no Sul da Colômbia, há muito controlado pelas FARC. A "ajuda" norte-americana é de 1,3 biliões de dólares, dos quais cerca de 75% são destinados a objectivos militares: compra de helicópteros e radares, treino e equipamento de três batalhões especiais do exército colombiano.

Uma vez posta em movimento, esta máquina de guerra vai ter efeitos devastadores: muitos milhares de mortos e ainda mais de deslocados; destruição ecológica; aprofundamento do conflito armado; eliminação final das organizações da sociedade civil que teimam em lutar pela paz e pela defesa dos direitos humanos. Os vizinhos - sobretudo o Equador, Venezuela, Panamá, Brasil e Peru - vão ter um quinhão largo destes efeitos: invasão dos deslocados; aumento da violência em resultado do refúgio dos guerrilheiros, dos paramilitares e dos traficante. Foi o Boston Globe, e não Hugo Chavez, quem pela primeira vez falou da Vietnamização da região.

A Declaração da UE emitida em Bogotá em 24 de Outubro passado é elucidativa do crescente afastamento da UE em relação ao Plano Colômbia. No entanto, é uma posição tímida que deixa a América Latina sem uma alternativa real. Em meu entender, essa alternativa deve assentar no seguinte: 1) dar prioridade total aos direitos humanos e à paz. 2) Mostrar que do meio trilião de dólares que a droga rende anualmente, metade circula no sistema financeiro dos EUA e a Colômbia não recebe mais de 2% a 3% e que, por isso, a luta contra a droga tem de incidir tanto na oferta como na procura. Os camponeses são o elo fraco e por isso são os visados, apesar de não lhes caber mais do que 0,6% dos lucros do negócio. 3) Lutar contra um século de proibicionismo norte-americano, mostrando que a legalização das drogas é o único caminho eficaz para pôr termo aos lucros fabulosos que semeiam a morte, tanto em quem produz, como em quem consome. Esta alternativa acentuaria a autonomia da UE e daria esperança aos latino-americanos. Seria uma posição de princípio que em caso algum poderia funcionar como moeda de troca de outros conflitos entre a UE e os EUA, como, por exemplo, os actualmente pendentes na Organização Mundial do Comércio.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos