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09-08-2001        Visão
De um modo geral, a análise dos acontecimentos de Génova nos meios de comunicação social disse mais a respeito das realidades políticas internas dos diferentes países do que a respeito dos problemas do mundo evidenciados pela reunião dos G-8. Portugal não fugiu à regra. A nosso respeito revelou, entre outras coisas, que a clivagem entre esquerda e direita continua viva e é atiçada, num momento de novidade política, por aqueles que mais a questionam em geral. Esta contradição faz com que os que dominam a análise política tendam a deixar trair a sua fraqueza analítica no modo como afirmam a sua força nos media.

Das análises do que se passou em Génova revelou-se de direita: quem centrou a sua análise na violência de alguns grupos de manifestantes e silenciou os problemas substantivos da sociedade global discutidos dentro e fora da reunião dos G-8; quem estigmatizou essa violência e desvalorizou, tanto a não-violência da esmagadora maioria dos manifestantes, como a violência das forças policiais; quem salientou a prioridade da ordem pública e viu a desordem como exterior a esta e não como sua parte intrínseca; quem analisou o que aconteceu à luz de uma história política enviezada, feita exclusivamente das derrotas e inconsequências da esquerda; quem deu prioridade ao valor da liberdade em detrimento do da igualdade e desvalorizou as abissais desigualdades sociais no mundo ou as valorizou como factor de progresso; quem, mesmo lamentando a crescente clivagem entre ricos e pobres, se recusou a ver uma relação sistémica ou de causa e efeito entre riqueza e pobreza; finalmente, quem se recusou a reconhecer outro princípio de legitimidade democrática senão o que decorre das vitórias eleitorais dos governantes. Revelou-se de esquerda quem manifestou posições contrárias a estas.

Esta clivagem entre esquerda e direita é salutar e revela que, apesar de todas as mudanças, a luta continua a ser, em grande medida, entre os partidos dos ricos e os partidos dos pobres, ainda que os ricos votem às vezes em solidariedade para com os pobres e os pobres votem às vezes como se os ricos fossem sempre solidários para com eles. Mesmo assim, os termos desta clivagem ocultam os desafios novos que o confronto entre globalizações ocorrido em Génova faz, tanto à esquerda, como à direita. A direita é interpelada a responder às seguintes perguntas. É possível defender a soberania nacional sem proteccionismo? Como legitimar nacionalmente o poder das classes dominantes quando esse poder reside na subserviência com que servem interesses estrangeiros? Sendo a produção de exclusão social a condição necessária de um governo de direita eficaz, como impedir que ela se torne na condição suficiente para uma contestação vitoriosa por parte da esquerda? Por sua vez, a esquerda é interpelada a responder ao seguinte. Como criar legitimidade democrática para além das fronteiras nacionais e para além da democracia representativa? Se nem todos os poderes e desigualdades vigentes nas sociedades capitalistas são capitalistas, como compatibilizar lutas locais, nacionais e globais contra a opressão e impedir que os oprimidos numas lutas não sejam os opressores noutras? Como manter a equação entre o princípio da liberdade e o princípio da igualdade, quando entre os dois se interpõe o princípio do direito à diferença?

 
 
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Boaventura de Sousa Santos