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13-12-2001        Visão
A história é simples e foi publicada no New York Times. Al-Najjar, palestiniano, foi para os EUA em 1984 para se doutorar e aí ficou a ensinar numa universidade. Em 1997 foi preso por alegadamente, segundo "prova secreta", ter reunido fundos para uma organização terrorista. Há cerca de um ano, o tribunal decidiu, em sentença de 56 páginas, que não se tinha provado qualquer colaboração com o terrorismo e mandou-o em liberdade. No final de Novembro passado voltou a ser preso por ligações ao terrorismo com base nas mesmas provas que o juiz declarara improcedentes. Está em regime de isolamento durante 23 horas por dia e não pode ver a família. Como é apátrida e provavelmente nenhum país o aceitará sendo "terrorista", corre o risco de ficar o resto da sua vida na prisão sem nunca ter sido condenado por nenhum crime.

Esta história ilustra o extremismo que está por detrás das novas leis antiterroristas promulgadas nos EUA, do USA Patriot Act à ordem presidencial de criação de tribunais militares, os quais, apesar de se basearem em prova secreta e não admitirem recurso, podem declarar a pena de morte. A onda de suspeição e de repressão que se abate sobre os estrangeiros residentes de origem árabe ou de religião muçulmana começa a estender-se aos cidadãos americanos, com os novos poderes concedidos ao FBI para vigiar organizações políticas e religiosas. A definição de quem é terrorista ou de quem acolhe terroristas é tão vaga que o Financial Times se pergunta se ser senhorio de um terrorista é vínculo suficiente ao terrorismo. Muitas das organizações que têm participado na luta anti-globalização podem ser consideradas terroristas ou atentatórias da segurança nacional nos termos das novas leis.

Este extremismo ocorre em simultâneo com o que se abate na Palestina. De um lado o extremismo do Governo de Israel e do outro o extremismo do Hamas. Entre eles, um cadáver adiado, o de Arafat. Em ambos os lados do Atlântico, o mesmo discurso de guerra contra o terror, a mesma tentação dos governantes de utilizarem as crises para concentrarem os seus poderes e se furtarem ao controle democrático dos cidadãos e dos tribunais. É um extremismo tentacular com prolongamentos que passam despercebidos. Nas recentes eleições na Nicarágua foi manifesta a ingerência dos EUA contra o candidato sandinista, Daniel Ortega. Um dos spots publicitários mais eficazes do candidato apoiado pelos EUA tinha a foto do Osama bin Laden e em voz off: "Se ele pudesse votar na Nicarágua votaria no Comandante Daniel Ortega".

Eric Hobsbawm definiu o que designou por "curto século XX" (1914-1991) como uma era de extremos para significar o carácter dramático dos conflitos e das transformações que ocorreram em tão curto período, das guerras mundiais à revolução, do nazismo, do fascismo ao socialismo, dos "anos de ouro" ao colapso da União Soviética, do desenvolvimento técnico-científico sem precedentes ao risco de aniquilamento da humanidade pela ameaça nuclear ou pela catástrofe ecológica. E terminava o livro com a advertência que, se o mundo não rompesse com este passado, o futuro seria muito negro. Os recentes acontecimentos mostram que continuamos em plena era dos extremos. Ao extremismo da desigualdade entre ricos e pobres que se agravou nas duas últimas décadas, junta-se o extremismo dos Estados poderosos e o extremismo dos únicos opositores que eles temem e agora chamam terroristas. Num mundo assim polarizado, onde está o lugar para a democracia e para os democratas?

 
 
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Boaventura de Sousa Santos