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24-01-2002        Visão
O assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André, uma cidade da cintura industrial de São Paulo é um facto político verdadeiramente perturbador. Conheci Celso Daniel em Agosto passado numa reunião preparatória do Fórum das Autoridades Locais que se vai realizar dentro de uma semana em Porto Alegre nos dias imediatamente anteriores ao Fórum Social Mundial que se inicia a 31 de Janeiro. Impressionou-me a sua capacidade de articulação política. Era um líder em ascensão dentro do Partido dos Trabalhadores e coordenador da comissão do programa de governo do candidato do PT às próximas eleições presidenciais, Lula. Num espaço de poucos meses este é o quarto atentado a presidentes da Câmara do PT, o segundo fatal. O outro foi o assassinato do prefeito da Campinas. Entretanto a casa do prefeito da Catanduva foi metralhada e uma bomba foi lançada na casa do prefeito de Embú-Guaçu. Vários outros prefeitos, incluindo a prefeita de São Paulo, têm recebido ameaças de morte. Por detrás desta violência está uma organização misteriosa provavelmente de extrema direita. Como afirmou o Presidente do PT no funeral de Celso Daniel, assistimos a atentados políticos que indicam estar em curso um processo de eliminação de quadros dirigentes do PT. Com que objectivos?

Aqui reside a perturbação. As administrações municipais do PT têm protagonizado as experiências de democracia participativa mais bem sucedidas no Brasil. Trata-se de uma forma de gestão e de distribuição de recursos que, através da participação activa e organizada dos munícipes, em estreita articulação com os representantes eleitos no município, torna possível políticas de inclusão social segundo critérios de equidade, democraticamente definidos e aplicados. Num dos países do mundo com mais desigualdade social, estas experiências de democracia de alta intensidade constituem uma ruptura com o clientelismo e a corrupção que, em geral, têm caracterizado o governo oligárquico tradicional e não surpreende que sejam vistas por este como uma ameaça. Talvez nunca se venha a saber quem está por detrás destes atentados mas os efeitos destes começam a ser evidentes. Estamos em ano de eleições presidenciais no Brasil e é sabido que o candidato do PT pretende formular um programa de governo inspirado nos mesmos princípios que têm presidido a estas experiências de democracia participativa e de inclusão social. Quaisquer que sejam os seus autores e motivações, estes atentados têm por efeito desmoralizar a candidatura de Lula e intimidar quem pretende lutar por ela.

A este adicionam-se dois outros factores de perturbação. A América Latina atravessa um momento muito difícil. A Argentina está a arder, a Colômbia e a Venezuela estão à beira da explosão. As soluções democráticas semelhantes às propostas pelo PT foram no passado recente bloqueadas pela violência, das ditaduras militares à eliminação de cerca de 1500 dirigentes e militantes da União Patriótica na "democrática" Colômbia. Por outro lado, o último atentado ocorre a poucos dias da realização do Fórum Social Mundial, uma rede de movimentos e organizações inspirados nas ideias da inclusão social e da democracia participativa e que precisamente se realiza nessa cidade internacionalmente conhecida pelo seu "orçamento participativo", gerida, tal como o Estado em que se situa, pelo PT. Há certamente forças interessadas em impedir que a voz democrática, pacífica e solidária do Fórum se ouça, que as alternativas que ele veicula sejam desacreditadas e que a sua capacidade organizativa não cresça. Espero veementemente que não consigam os seus objectivos. Para isso é decisivo que o Estado brasileiro tenha presente que a luta contra o terrorismo ou começa aqui ou não começa.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos