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16-05-2002        Visão
O estilo de Bagão Félix é o oposto do de Nuno Morais Sarmento. Enquanto o estilo deste último é estridente e assenta na ruptura e investe as palavras de toda a violência transformadora que pretende na prática, o estilo de Bagão Félix é sereno, assenta na continuidade (não se poupando a elogios aos seus antecessores) e usa as palavras para confundir os adversários acerca das reformas que pretende realizar. Não é fácil prever qual dos dois estilos vai prevalecer ou qual será mais eficaz. Uma coisa é certa, contrariamente às aparências, Bagão Félix está mais determinado que qualquer outro ministro, sabe melhor que qualquer outro como atingir os seus objectivos, e as suas reformas poderão atingir bem mais profundamente - e negativamente, em minha opinião - o bem estar dos portugueses que muitas outras anunciadas.

O mais notável em Bagão Félix é a determinação e a consistência com que há vinte anos (desde que foi Secretário de Estado da Segurança Social em 1980-82) defende a mesma política de privatização parcial da protecção social pública - "partilha de responsabilidades" na sua linguagem cifrada - transferindo para o sector privado (mercado e instituições particulares de solidariedade social) uma fatia crescente da protecção social global. Ao fim de vinte anos, Bagão Félix vê finalmente a oportunidade de concluir a aplicação da sua política e não quer perdê-la. Para isso, e sabendo da oposição social com que pode contar, propõe-se actuar de modo muito gradualista, aparentemente minimalista, até que as transformações sejam irreversíveis e se imponham por si aos próprios adversários, entretanto desarmados pelo facto consumado. A sua política de oposição à universalidade dos direitos sociais assenta em dois pilares: protecção social residual e compensatória dos não trabalhadores; segurança social pública parcial para os trabalhadores. O primeiro pilar - que começou a pôr em prática em Maio de 1980 quando revogou o esquema mínimo de protecção social do governo de Maria de Lurdes Pintasilgo - será agora concretizado através da precarização do rendimento mínimo garantido, eliminando o seu carácter de direito, acentuando a compulsão ao trabalho e através da residualização das prestações (dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis, sob condição de recurso) em detrimento de uma selectividade sem erosão da universalidade dos direitos como consta da Lei de Bases.

O segundo pilar consiste no plafonamento, ou seja, na criação de pensões complementares, a partir de um certo número de salários mínimos, geridas por fundos de pensões. As grandes cautelas de Bagão Feliz nesta área são o outro lado da sua especial determinação. O importante para ele é tornar irreversível a privatização, por mais parcial que seja, uma vez que o seu alargamento ocorrerá por si. Para isso, basta acabar com o excedente actual da segurança social e posteriormente criar incentivos fiscais ao opting out. A estratégia é engenhosa. Passa facilmente despercebido que o excedente não é dinheiro do Estado, e sim dos trabalhadores e das empresas. Se os sindicatos e os movimentos sociais não estiverem atentos, a estratégia terá êxito. Tem, no entanto, um problema. Chega tarde demais, quando a segurança social privada entra em colapso na Inglaterra e as três grandes seguradoras estão a aconselhar muitos milhares dos seus pensionistas a voltar para o sistema estatal com a justificação, dada pelo presidente da Scottish Equitable, de que "com a queda das expectativas de rentabilidade dos mercados financeiros", o rendimento dos fundos de pensões "não está a crescer suficientemente para cobrir o aumento da longevidade". Para quem segue a doutrina social da Igreja, isto deve ser um sério aviso.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos