Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
31-10-2002        Visão
Na próxima semana realiza-se em Florença o primeiro Fórum Social Europeu (FSE). A realização deste fórum, como a de outros fóruns regionais (africano, asiático, das Américas), foi proposta no segundo Fórum Social Mundial (FSM), que se realizou em Porto Alegre em Fevereiro passado, com o duplo objectivo de aprofundar o conhecimento do FSM e da sua carta de princípios nas diferentes regiões do mundo e de propiciar aos movimentos sociais, mobilizados em redor dos problemas específicos de cada região, uma contribuição mais sistemática para as temáticas a serem discutidas no terceiro FSM que se realiza em Porto Alegre no fim de Janeiro próximo.
O FSE realiza-se num momento internacional, em geral, sombrio mas contraditório. O seu lado negro, de longe dominante, é a nova onda militarista que ameaça pôr o mundo a ferro e fogo. É uma estratégia compensatória desenhada pela Administração Bush para alimentar, com a "economia de guerra", a hegemonia do capitalismo neoliberal global no momento em que os instrumentos convencionais da "economia de paz" não parecem ser suficientes para relançar a economia mundial. Para esta estratégia, é fundamental reduzir as reivindicações de justiça social dos grupos sociais oprimidos à condição de motivações e práticas potencialmente terroristas, e fazer com que esta lógica seja adoptada por líderes-satélites, sejam eles Sharon ou Putin. Em seu lado claro, o mundo revê-se esta semana na brilhante vitória de Lula no Brasil e, com ela, na esperança de que a democracia seja mais forte que o neoliberalismo.

O FSE é um fórum de cidadãos e de movimentos sociais que visa responsabilizar os governos europeus pelo "esquecimento" clamoroso de dois pilares do património comum europeu dos últimos cinquenta anos. O primeiro pilar é a tensão permanente entre democracia e capitalismo que permitiu combinar, contrariamente ao modelo norte-americano, competitividade com altos níveis de protecção social, e consolidar um modelo de democracia com alguma capacidade redistributiva, capaz de garantir os direitos económicos e sociais dos trabalhadores e das classes médias através da promoção de interacções não mercantis entre os cidadãos (sistemas públicos de segurança social, saúde, educação, transporte). Este modelo pecou por ser tímido mas, em vez de ser aprofundado, tem vindo a ser esquecido nas duas últimas décadas. De repente, tornou-se "evidente" que só o modelo de capitalismo norte-americano era exportável mundialmente e que, portanto, o modelo europeu nem sequer na Europa seria sustentável. É contra esta evidência e contra este esquecimento que se deve entender a vitória de Lula. Lula ganhou o coração dos brasileiros com um programa político assente no modelo europeu.
O segundo "esquecimento" da Europa dos Estados diz respeito à promoção da paz. A Europa é, nos tempos modernos, o continente mais violento, não só pela violência que infligiu a si mesma - desde a guerra dos trinta anos (1618-1648), em que morreu metade da população da Alemanha de então, até às duas guerras mundiais - como pela violência que infligiu aos povos que estiveram sob o seu jugo colonial. Talvez, por isso, no últimos cinquenta anos a Europa foi promotora de soluções pacíficas e defensora do direito internacional. Este património está a ser activamente esquecido pelo modo como a Europa se verga aos desígnios belicistas de Washington.

O FSE pretende que os cidadãos e os movimentos sociais recuperem este duplo património esquecido pela classe política. É por isso que os grandes temas a serem debatidos são o neoliberalismo, a paz, os direitos dos cidadãos e o aprofundamento da democracia.

 
 
pessoas
Boaventura de Sousa Santos