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14-11-2002        Visão
O primeiro Fórum Social Europeu que se realizou em Florença na semana passada foi um acontecimento político e cultural da maior importância, cujo extraordinário êxito merece reflexão. Durante três dias, mais de 35.000 pessoas, na esmagadora maioria jovens vindos de todos os países europeus, discutiram temas que consideram relevantes para o futuro da Europa e do mundo, e celebraram com alegria a possibilidade de os discutirem em liberdade. Entre esses temas são de salientar: a guerra e a luta pela paz, o futuro dos direitos sociais enquanto património europeu, a União Europeia, a participação dos cidadãos nas instituições europeias e a democracia participativa, a globalização neoliberal, a exclusão social e a destruição ecológica, o respeito pela diversidade cultural dos povos europeus e dos povos não europeus que trabalham na Europa. Os trabalhos do Fórum concluíram com uma marcha sob o lema "Por uma Europa de paz e de direitos" que reuniu mais de 500.000 pessoas vindas de toda a Europa, uma manifestação que decorreu sem qualquer incidente.

Este acontecimento notável merece a reflexão de todos e sobretudo da classe política, dos educadores e dos trabalhadores da comunicação social. Começo por estes últimos. Uma parte significativa da comunicação social europeia procurou demonizar o Fórum, criminalizá-lo por antecipação, ou, no melhor dos casos, ignorá-lo. O fantasma de Génova foi usado até à exaustão e, sobretudo na Itália, a violência da intimidação chegou a ser patética. Dado que este Fórum foi um fórum pela paz, pelo modelo social europeu e pela justiça social e cultural na Europa e no mundo, a atitude de uma boa parte da comunicação social só pode ter uma explicação. Controlada por grandes grupos económicos ou refém de governos conservadores que defendem os interesses desses grupos, essa comunicação social está apostada na rendição da Europa ao modelo de capitalismo norte-americano e aos desígnios belicistas que são hoje essenciais para garantir a sua consolidação global.

Para mim, educador há quase quarenta anos, este Fórum foi uma experiência única. Nunca tinha visto salas repletas de jovens afanosamente tomando nota de tudo o que ouviam. Não estavam ali para aplaudir, estavam ali para aprender. Não pude deixar de me perguntar sobre o que as nossas escolas e as nossas universidades estão a deixar de ensinar aos nossos jovens e que eles buscam avidamente aprender nas ocasiões que se lhes oferecem. À medida que transformamos a educação numa mercadoria, deixamos de ensinar aos jovens o que não tem preço de mercado: os valores da cidadania, da democracia, da solidariedade e da justiça social. A esperança está em que os jovens ainda não esqueceram a falta do que não aprendem na escola.

Por último, a classe política europeia deve a este Fórum uma reflexão desapaixonada sobre a medíocre trivialização a que vem sujeitando a democracia e a perigosa crise de representatividade em que está imersa. Como é possível que os temas que mobilizam a reflexão e o interesse de tantos milhares de jovens, que são o futuro da Europa, não tenham qualquer tradução nos debates que mobilizam uma boa parte da classe política, afogada no atoleiro da corrupção e dos conflitos de interesses e obcecada por protagonismos pessoais? Como é possível que a emergente e vibrante energia de uma sociedade civil organizada em movimentos sociais e organizações não governamentais continue a ver negada a sua aspiração a uma democracia participativa com a qual não quer negar e antes quer fortalecer a democracia representativa? A esperança da Europa está em que o princípio da esperança tem mais força do que aqueles que lhe decretam o fim.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos