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28-11-2002        Visão
A leitura, mesmo superficial, dos muitos livros que em tempos recentes se têm vindo a publicar em diferentes países sobre a situação das universidades públicas mostra a recorrência dos seguintes temas: asfixia financeira, desresponsabilização do Estado sob o pretexto da autonomia, concorrência desleal das universidades privadas, generalização de critérios empresariais que transformam a educação em mercadoria e perda de influência na formação das elites. Quanto maior foi a proeminência passada da universidade na prestação do serviço público, maior é o sentimento de crise. As melhores universidades procuram transformar este sentimento de crise em energia de renovação. A Universidade de Coimbra (UC) é a instituição pública portuguesa que mais relevantes serviços prestou ao país durante mais tempo. Ao longo de séculos, foi um protagonista decisivo das grandezas e misérias da nossa história. Continua a ser hoje uma das instituições portuguesas mais conhecidas internacionalmente. Não admira que a crise do serviço público universitário a tenha atingido com particular virulência.

Com a desastrada demissão do último reitor, a UC bateu no fundo e, como grande universidade que é, sentiu nesse choque que o momento da viragem e da renovação tinha chegado. Vejamos os caminhos e, depois, as condições da renovação. Por mais urgente que seja a questão do financiamento e saber como a universidade vai sobreviver no próximo ano, a questão decisiva é a formulação de um pensamento estratégico que defina o que a UC quer ser daqui a vinte anos, num contexto de decréscimo de população estudantil portuguesa, de crescente mobilização estudantil e de professores no espaço europeu, de crescente internacionalização da investigação e da busca de excelência. A estratégia pensa-se sempre a partir do melhor que se tem. A vantagem comparada da UC é o seu capital simbólico, o seu prestígio internacional. Não há conflito entre humanidades e tecnologias; há, isso sim, conflito entre mediocridade e excelência. No caso específico da UC, há que identificar criteriosamente as áreas científicas em que a excelência está já consolidada. São elas que estão em melhores condições para valorizar a curto prazo o capital simbólico. A prioridade que lhes for dada deverá ser orientada para abrir o espaço aos novos saberes tecnológicos, sociais e artísticos e às novas metodologias de ensino e de extensão. Pela mesma razão, a força da UC na Europa constroi-se com a força que tiver na América Latina (sobretudo Brasil) e África. É viável que, daqui a 10 anos, 75% dos estudantes de mestrado e doutoramento venham do Brasil e dos PALOPs e que seja aqui que, privilegiadamente, os estudantes e professores europeus encontrem os seus colegas de outros continentes.

A médio prazo, as condições de renovação dizem respeito ao sistema de financiamento, à reforma institucional e à reforma eleitoral. A valorização do capital da UC exige que a reitoria seja o navio-chefe e não o ferryboat errante entre um arquipélago de Faculdades-ilhas autónomas. Exige que os serviços dependentes da Reitoria, tão importantes na ligação à comunidade, vejam devolvida a sua dignidade. Exige que a comunidade seja tanto Coimbra, como o Maputo ou Porto Alegre. A curto prazo, a renovação depende exclusivamente do bom senso dos membros do colégio eleitoral por duas razões infelizes. Primeiro, 52% do colégio é constituído por funcionários e estudantes. Os mais responsáveis pela renovação estratégica estão em minoria. Segundo, nos últimos vinte anos, a eleição dos reitores foi dominada por tácticas partidárias e critérios corporativos imediatistas, com total menosprezo pela valorização da universidade a médio prazo. Só haverá renovação se o colégio se guiar pela discussão estratégica e não pelo cálculo partidário ou corporativo.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos