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05-03-2003        Público
A Região Centro não é uma região central. Paradoxalmente, a sua posição territorial tem sido impeditiva da criação de centralidade sociológica. Situada entre as duas grandes áreas metropolitanas do país e polarizada pelos efeitos de atracção que elas geram, tem tido dificuldade em consolidar a sua coesão regional e em afirmá-la nacionalmente por força das suas especificidades virtuosas. Paradoxalmente também, esta dificuldade e esta fragilidade são o outro lado das suas enormes potencialidades. Ou seja, no momento em que a Região Centro conseguir endogeneizar os efeitos de atracção de Lisboa e Porto, segundo uma lógica de coesão e não segundo uma lógica de fragmentação, como ocorre agora, será uma região decisiva para o desenvolvimento equilibrado do país, constituindo a mediação que impede a dupla macrocefalia do país.
Constituída por um quadro físico difícil, condicionante das acessibilidades, tem sido compartimentada num mosaico de espaços com fracas articulações entre si e a sua identidade tem-se afirmado como uma identidade também ela em mosaico, feita de pertenças territoriais à espera de um elemento aglutinador.
A própria organização multipolar da rede urbana reflecte esta organização do território. É uma região sem metrópole e sem grandes cidades. Apesar de Coimbra ser uma das principais cidades do país, tem tido dificuldades em polarizar o território da região. Com efeito, e entre outras razões, as carências nalguns sectores de serviços, nomeadamente os de apoio à produção, têm contribuído para o descentramento da região, ao favorecer as articulações interregionais.
A própria lógica do desenvolvimento e do investimento público, colmatando embora algumas debilidades estruturais, tem introduzido novas tensões, tendências centrífugas e factores de diferenciação intraregional. Por exemplo, nas acessibilidades, a ausência de eixos estruturadores intraregionais faz com que o grande anel rodoferroviário envolvente favoreça o relacionamento com o exterior em detrimento da densificação regional.
Por outro lado, a expansão dos serviços públicos, designadamente os da saúde e da educação, tem constituído um aspecto relevante para a afirmação das cidades do topo da hierarquia urbana, dificultando ainda mais a afirmação de uma capital regional.
Do ponto de vista da sua base produtiva, igualmente, a proximidade às áreas metropolitanas por parte dos "sistemas produtivos locais" dinâmicos, do Litoral Norte e Sul, tem impedido que tal dinâmica seja totalmente endogeneizada, o que fragiliza ainda mais uma estrutura produtiva marcada pela importância da base agrária, pela fraca integração regional da sua base industrial, bem como por áreas submetidas a processos de declínio ou de reconversão industrial.
Deixar actuar e intensificar estas tensões desagregadoras significa rendermo-nos ao processo de metropolização que tem caracterizado o espaço nacional dominado pela lógica das novas formas de economia, com dinâmicas mais agressivas que potenciam novos fenómenos de exclusão territorial e novas assimetrias regionais. Se tal processo não for controlado, a região será definitivamente pulverizada e, com isso, serão segregadas e marginalizadas muitas das vastas áreas que a constituem.
O papel e o sentido da Região é, actualmente, o de substituir o cimento do aparelho administrativo tradicional por formas de coesão institucional que assegurem as políticas e instrumentos valorizadores das especificidades e complementaridades de cada uma das suas parcelas. Tudo isto aponta para a necessidade de colmatar défices. E significa concretizar decididamente algumas medidas, nas quais regionalmente nos reconhecemos: encarar de forma inovadora a articulação urbano-rural, considerando de forma criativa as novas funções do espaço rural, apoiando iniciativas como o Acert e Belgais, por exemplo; desafiar o envelhecimento da população, lançando programas especiais no interior; afrontar os desafios ambientais que o abandono da floresta e agricultura acarreta; inovar e valorizar as universidades e centros de investigação; fixar a mão-de-obra qualificada e regionalmente formada; reforçar a importância do território para a internacionalização da economia, a sua competitividade e eixos de desenvolvimento; apoiar a excelência nas áreas da saúde e das ciências da vida; fortificar dinâmicas tecnológicas; construir redes de acessibilidades capilares e modernizar as ferroviárias; desenvolver cooperações intermunicipais; promover culturas urbanas de proximidade que sejam eficazes agentes de descentralização e diversidade culturais.
A Região Centro constitui hoje um desafio às políticas públicas territoriais. Só ela o pode enfrentar e se o souber enfrentar eficazmente aí residirá o embrião da sua centralidade sociológica.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos