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29-07-2004        Visão
O país atravessa um momento que podemos designar por grau zero das alternativas. Exemplificam-no temas tão diversos quanto o malabarismo político da constituição do actual governo, o imobilismo nas questões candentes da reforma da justiça e da formação dos magistrados e o desarme social ante o flagelo dos incêndios. É como se o país estivesse tão viciado nos seus problemas que preferisse evitar as soluções que os poderiam resolver. Por muito que me custe, dada a estima pessoal que me merece, o Presidente da República é hoje o símbolo do vício do marasmo que consiste em racionalizar com retórica de mudança a continuação e a confirmação do status quo. Por vir donde vem, esta simbolização tem um peso enorme nas representações dos Portugueses.
Num momento destes é particularmente importante desviar o olhar do nó cego da nossa realidade e observar outras realidades onde, em condições bem mais adversas que as nossas, as alternativas estão sempre presentes e a aspiração de um mundo melhor não esmorece. Escrevo de Quito, no Equador, onde estou a participar em três reuniões internacionais: o Primeiro Foro Social das Américas, o Primeiro Foro das Autoridades Locais das Américas pela Inclusão Social e a Segunda Cimeira Continental dos Povos Indígenas. São mais de 10000 participantes, vindos de 35 países, representando 600 organizações e movimentos sociais que, ao longo de uma semana, assistem a cerca de 500 debates onde se discutem alternativas sobre temas tão diversos quanto: desmilitarização e propostas de paz; alternativas à dívida externa impagável; democratização da comunicação e informação; povos indígenas, diversidade cultural e auto-determinação; movimentos sociais e partidos políticos; erradicação da violência sexista e racista; soberania alimentar; a água como bem comum imprivatizável; biodiversidade e propriedade intelectual; direitos dos imigrantes; o direito ao desenvolvimento; ecumenismo e espiritualidade; educação para a democracia; direito à terra e luta contra a desertificação e a exaustão dos recursos naturais; alternativas económicas feministas; espaços públicos e o direito à cidade; reconhecimento dos conhecimentos ancestrais; reforma da ONU e das instituições financeiras multilaterais; participação cidadã; defesa da Amazónia como pulmão do mundo; reconhecimento dos quilombos, terras dos descendentes de escravos vindos de África; alternativa ao consenso mediático; empresários nacionais e movimento sindical ante a liberalização do comércio; comércio justo; administração da justiça ao serviço dos cidadãos; direito à saúde, à habitação, à educação, ao trabalho e à comunicação; as sementes como património dos povos; luta contra os OGMs; tribunais de arbitragem e a nova arquitectura internacional; direitos sexuais e reprodutivos; democratização das novas tecnologias; HIV/SIDA e a luta pelos medicamentos genéricos; o desastre ecológico das fumigações da cultura de coca; os tratados de livre comércio como nova forma de colonialismo; genocídio pela fome e as epidemias; responsabilidade social das empresas; sustentabilidade e justiça ambiental; reforma do Estado e políticas públicas; meios de comunicação alternativos.
Esta lista não exaustiva mostra bem o horizonte das alternativas possíveis e a vontade política de lutar por elas, apesar de nenhum dos participantes esquecer que está reunido numa cidade onde se negoceia neste momento mais um tratado injusto de livre comércio entre um parceiro cujo PIB é de 12 mil milhões de dólares, os EUA, e outro, o Equador, cujo PIB é de 27 milhões. É que a força dos factos só é inamovível quando não inclui a força da vontade para os mudar.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos