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25-11-2004        Visão
É hoje evidente que o "affair Marcelo Rebelo de Sousa"; não foi um acontecimento isolado. É um entre muitos sinais de uma transformação profunda nos meios de comunicação social, com implicações decisivas nas relações entre media e democracia e no jornalismo profissional. Tal transformação não é um exclusivo do nosso país, embora tenha entre nós um perfil específico. Compreende-se que entre nós, em que a imprensa escrita é fortemente dominada pelo capital nacional (privado ou público), se levantem problemas distintos daqueles que se levantam na Europa de Leste, onde a imprensa escrita é dominada por quatro empresas alemãs. Mas, nos seus contornos mais gerais, a transformação está a ocorrer globalmente, devido à revolução nas tecnologias de comunicação e informação, à desregulamentação do sector e do mercado das comunicações, à transformação da publicidade em factor decisivo de rentabilidade, à crescente concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social, à integração do capital mediático noutros sectores de produção e serviços e, finalmente, à crescente promiscuidade entre estes sectores e o poder político.
Partamos de duas ideias centrais. A primeira é que os media desempenham duas funções básicas nas sociedades democráticas. Por um lado, uma função de vigilância em relação aos detentores de poder político, económico e social, dando a informação que torne possível o controle democrático. Por outro lado, a função de fornecer informação credível e um espectro amplo de opiniões sobre questões importantes para o desenvolvimento da cidadania. Claro que nenhum órgão de informação pode, por si só, garantir o desempenho pleno destas funções. É o conjunto deles que o pode e deve fazer. A segunda ideia é que os padrões de organização e de propriedade dos media afectam de modo decisivo o seu conteúdo. As transformações por que estão a passar os media ocorrem ao nível desses padrões, e são de tal modo que estão a pôr em causa o desempenho das duas funções que referi. Um dos sinais mais perturbadores é o fim iminente do jornalismo profissional tal como o conhecemos. O jornalismo profissional é uma invenção do séc. XX e nasceu para garantir a credibilidade da informação (e, portanto, a fidelidade dos leitores), autonomizando-a em relação aos interesses dos proprietários públicos ou privados dos media. Treinados em escolas profissionais, os jornalistas aprendiam a ser partidariamente neutros e independentes de pressões comerciais. É facto que o profissionalismo viveu sempre paredes meias com os seus problemas: evitar a controvérsia, privilegiando as notícias oficiais; despolitizar as questões importantes, ao não tratá-las senão no contexto de incidentes ou escândalos; canalizar a investigação para o que é de cobertura fácil e não antagoniza o poder. De todo o modo, em democracia, a ética do jornalista profissional permitiu-lhe auto-censurar-se, mas não ser censurado.
Este tipo de profissionalismo está hoje ameaçado por um tipo alternativo: o jornalista proletário, privado de opinião própria, sujeito como qualquer trabalhador a receber ordens, quer para escrever, quer para eliminar conteúdos. É uma transformação violenta que, para ser combatida com eficácia, precisa de ser vista, não como um ataque aos jornalistas, mas como um ataque à democracia.
Medidas imediatas: quebrar os monopólios; fortalecer o serviço público; dar tratamento privilegiado à comunicação independente não comercial sob cláusula do pluralismo e da tolerância; proteger a autonomia profissional.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos