Centro de Estudos Sociais
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17-03-2005        Visão
Tal como os indivíduos, as sociedades vivem entre o medo e a esperança, e só vivem felizes quando a esperança vence o medo. As estatísticas internacionais e as comparações que delas decorrem são hoje um dos instrumentos privilegiados para medir o medo e a esperança que cabem a cada sociedade. A posição intermédia que Portugal ocupa nessas estatísticas – recorrentemente os piores dados entre os países com melhores dados – faz com que a gestão do medo e da esperança seja facilmente manipulável entre nós. As conjecturas sobre medos abissais que assombram a sociedade portuguesa – chegando a pôr em causa a própria viabilidade do país – parecem tão realistas quanto as profissões de esperança num futuro garantido entre os países mais desenvolvidos que nos servem de referência. Não sendo fácil, nestas condições, que a esperança vença o medo, é importante não desperdiçar os factores que favorecem essa vitória. Os resultados das últimas eleições e o novo governo são um desses factores. Vivemos, pois, um momento de esperança, e é preciso assumir isso mesmo sem medo. Vejamos algumas das condições que militam a favor da esperança.
Educação e ciência. Se, como tudo leva a crer, a educação e a ciência forem a prioridade das prioridades, algo de novo e auspicioso estará a ocorrer. Nas condições globais em que nos inserimos, é menos importante a quantidade de emprego do que a qualidade de emprego e esta, tal como a produtividade, está intimamente ligada à qualificação profissional da força de trabalho e à componente científico-tecnológica da produção. Por incrível que pareça, a administração universitária é hoje dominada por uma atitude hostil à investigação. É preciso pôr-lhe termo para que a universidade volte a ser um factor de qualificação da sociedade como um todo. O processo de Bolonha pode contribuir para isso, mas para que não seja visto como mais uma armadilha é preciso começar por abolir as propinas.
Justiça social e serviço público. Um Estado democraticamente forte é a condição de uma sociedade civil forte. Os portugueses acreditarão tanto mais no que podem fazer por si quanto mais acreditarem no que o Estado pode fazer bem e eficazmente por eles. A reforma do sistema judicial, a luta contra a corrupção, a reforma da administração pública, a justiça fiscal e a criação de transparência e de prestação de contas por via de instrumentos de democracia participativa são pré-condições para que o nosso país deixe de ser o mais injusto da Europa.
Política externa cordial. Somos um pequeno-grande país que deve assumir as suas responsabilidades históricas para que o seu passado não sirva apenas para o futuro dos outros. É cordial a política externa que responder a este traço identitário subterrâneo: os portugueses aceitam que, pelo seu passado, sejam maiores do que aquilo que são no presente, mas não toleram que, pelo seu futuro, sejam menores do que aquilo que julgam merecer. Que Freitas do Amaral não se deixe intimidar por comentadores para quem ir da esquerda para a direita é normal (porque foi o que aconteceu a quase todos eles), enquanto ir da direita para a esquerda é anátema. Ou eu me engano muito ou Bush voltará a dar dores de cabeça à Europa. Estejamos atentos ao que se pode vir a passar no Irão ou na Venezuela.
Portugal votou à esquerda mas a produção de opinião pública é hoje hegemonicamente de direita. Por isso, ao contrário do que fazem prever as sondagens, este governo terá um curtíssimo período de estado de graça. Se o governo e as esquerdas se deixarem intimidar ou não se entenderem, é grande o risco de que o momento de esperança, em vez de florescer, seja reduzido a uma fugaz esperança do momento.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos