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21-07-2005        Visão
Como é próprio dos fenómenos importantes nas sociedades democráticas, há dois discursos sobre o terrorismo: o conservador e o progressista. Específico do terrorismo é apenas o facto de o discurso conservador ser completamente dominante. Eis os traços principais deste discurso: "terroristas"; são terroristas, ou seja, as definições oficiais de terrorismo são as definições "naturais";, óbvias; o terrorismo nunca teve êxito; os terroristas são nossos inimigos e como tal devem ser tratados: a sua violência deve ser enfrentada com a nossa violência; tentar compreender o terrorismo para além deste quadro é ser cúmplice com ele.
O medo e a indignação causados por actos de violência contra a vida de pessoas não directamente envolvidas em qualquer conflito armado e a unanimidade dos critérios de reportagem e de análise nos grandes meios de comunicação social fazem com que passem despercebidas as muitas fragilidades do discurso conservador. Primeiro, há um debate jurídico-político sério sobre o que é o terrorismo. Por exemplo, o terrorismo restringe-se à violência contra a vida ou inclui também a violência contra a propriedade? No segundo caso, muitos movimentos sociais, do Greenpeace ao Movimento dos Sem Terra, poderão ser considerados terroristas. O terrorismo restringe-se ao uso da força ou estende-se também à ameaça do uso da força? No segundo caso, a publicação de um documento pode ser um acto terrorista. O terrorismo é uma prática exclusiva de grupos políticos ou também pode ser praticado pelo Estado? Neste último caso, são terroristas muitos dos actos violentos do Estado de Israel contra palestinianos, tal como o foram o genocídio da população maia da Guatemala nos anos 80, para já não falar da recente destruição da cidade de Falluja, no Iraque, pelas tropas norte-americanas. Segundo, quem, em que tempo histórico e com que critérios afere o êxito ou o fracasso do terrorismo? Como compreender que os líderes terroristas dos movimentos de libertação nacional tenham sido recebidos com estrondosos aplausos na ONU ou que o terrorista Nelson Mandela tenha sido galardoado com o Prémio Nobel da Paz?
Estas e outras questões abrem espaço para o discurso progressista sobre o terrorismo, o qual, em meu entender, não deve limitar-se a criticar o discurso conservador. Deve apresentar alternativas analíticas e políticas. Primeiro, a violência política contra cidadãos é um acto político extremo que na grande maioria dos casos responde a actos políticos extremos do "inimigo";. Desde há muito, mas sobretudo desde o fim da segunda guerra mundial, a humilhação do mundo islâmico tem sido extrema, culminando agora com a invasão do Afeganistão e do Iraque. Enquanto não isolarmos os "nossos"; extremistas não podemos isolar os "deles";. Segundo, o isolamento dos extremistas só é possível através do aprofundamento democrático e do multiculturalismo progressista, tanto a nível nacional, como a nível internacional. Extremistas haverá sempre; importante é isolá-los, quer de um lado quer do outro, exigindo que se dê às políticas de cooperação e de interculturalidade genuínas a oportunidade de mostrarem a sua eficácia. Terceiro, nenhuma oportunidade deve ser desperdiçada para quebrar a reciprocidade perversa dos extremismos. Neste contexto, pergunto-me se o governo português não estará a desperdiçar uma dessas oportunidades ao decidir enviar agora 150 militares para o Afeganistão. Terão os portugueses algum modo de saber se estão com isso a ser expostos a algum risco? Não deveriam ter o direito de se pronunciar sobre ele? Muito provavelmente a grande maioria dos que morreram no metro de Londres andaram nas ruas a protestar contra a política de Blair no Iraque.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos