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29-01-2017        Jornal de Notícias

O presidente da República tem, fruto da sua personalidade, das aprendizagens adquiridas, dos seus objetivos e práticas enquanto ator político e comunicador de serviço durante décadas, uma significativa proximidade com as pessoas. Por certo, há dimensões de genuinidade nesta sua característica, outras serão construções de uma pessoa reconhecidamente inteligente e culta, portadora de uma profunda vontade e gosto pelo desempenho político que hoje lhe está cometido.

Por diversas razões, Cavaco Silva havia enegrecido o lugar de presidente. Durante os seus mandatos foi-se distanciando progressivamente das pessoas; no último, passou a defender de forma agressiva uma política de submissão e subjugação do povo e do país.

Marcelo foi obrigado a olhar as mudanças que se operam à escala global de forma mais aberta. Ele aprendeu há muito a importância de ter ou aparentar ter bom senso, de apresentar sempre prós e contras, se necessário utilizando efeitos especiais de intervenções subtis que até podem ter cargas de intriga política. Ele sabe quão importante é a afirmação do plural, mesmo que apenas no plano simbólico, associado à defesa do consenso. Marcelo é portador de um versátil jogo de anca que lhe permite lidar com um ambiente político-partidário adverso, estabelecendo pontes que lhe proporcionam, quantas vezes, captar para si o papel de limador de arestas, ainda que a sua intervenção não tenha ido além de um toque superficial.

O contexto político em que Marcelo Rebelo de Sousa teve de preparar e iniciar o seu mandato, bem como certas "características do povo português" - Aquilino Ribeiro dizia que os portugueses são imbatíveis num primeiro patamar de relacionamento, mas menos talhados para reflexões e compromissos mais profundos - facilitaram-lhe o desempenho da sua magistratura de "tipo novo" exercida com o à vontade, a naturalidade e a normalidade de um ser humano comum. Mas, o exercício de Marcelo é carregado de contactos passageiros aqui e ali com promessas de ir analisar dossiers, de selfies de ocasião, de opiniões pontuais sobre tudo e mais alguma coisa, de uma proliferação de intervenções públicas. O presidente não poderá ser uma espécie de pai de todos, condição que, se viesse a consolidar-se, poderia levar o mais alto magistrado da Nação a imiscuir-se em assuntos que não lhe dizem respeito e que a Constituição da República formalmente não permite, a debilitar a intervenção social e política das organizações e representações a quem, constitucionalmente e por prática democrática, está atribuída essa função, a perder capacidade de intervenção política equilibrada e eficaz em momentos sensíveis.

Face a interesses e objetivos fundamentais que marcam as práticas dos grandes meios da Comunicação Social, muitas vezes o presidente nem precisa de convidar ninguém a Belém. Belém entra pela porta de cada Ministério, de cada organização económica, social ou cultural, entra pela televisão de cada português. Sobre cada tema não é ouvida a posição dos principais atores que têm de o tratar com rigor e responsabilidade, mas sim a opinião passageira do presidente. Ignorar isso, assobiar para o lado fazendo de conta, pode ter custos elevados.

Muito daquilo que é profundamente novo na sociedade portuguesa - uma maioria parlamentar à Esquerda que construiu compromissos para suportar um Governo do PS, que recolocou no Parlamento o centro do debate e da vida política e que procura afirmar uma política de rotura com o endeusamento da austeridade - surge, amiúde, secundarizado face aos efeitos do ativismo presidencial. O azedume de que a Direita não se libertou e as políticas desastrosas que prossegue tornaram proveitosas certas intervenções do presidente. Contudo, estamos aqui apenas no campo do conjuntural.

Um rumo político solidamente democrático, que ponha em marcha as mudanças de que o povo e o país precisam, reclama um presidente que se relacione bem com toda a sociedade mas não a substitua e, acima de tudo, de um programa e ação política sólidos e transformadores. Não estamos hoje perante um presidencialismo de facto, mas é preciso atenção e alertas para que não se corra esse risco.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva