Centro de Estudos Sociais
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08-06-2006        Visão
A crise política em Timor, para além de ter colhido de surpresa a maior parte dos observadores, provoca algumas perplexidades e exige, por isso, uma análise menos trivial do que aquela que tem vindo a ser veiculada pela comunicação social (divisões entre o Presidente da República e o Primeiro Ministro, divisões no seio do Governo, clivagens étnicas, etc.). Como é que um país, que ainda no final do ano passado teve eleições municipais, consideradas por todos os observadores internacionais como livres, pacíficas e justas, pode estar mergulhado numa crise de governabilidade? Como é que um país, que há dois meses foi objecto de um elogioso relatório do Banco Mundial, que considerou um êxito a política económica do Governo, pode agora ser visto por alguns como um Estado falhado? Não será estranho que se reclame a demissão de um Primeiro Ministro, até agora tido como um governante com elevado sentido de Estado, que levou o seu partido, a Fretilin, a vitórias eleitorais sucessivas e ainda há semanas saiu vitorioso do Congresso deste partido com 97% dos votos?
Os factos que sustentam estas perplexidades levam-me a pensar que, quaisquer que tenham sido os erros de governação que levaram a esta situação, há forças externas que estão interessadas em desestabilizar Timor Lorosae e, eventualmente, em criar uma situação que inviabilize uma nova vitória da actual liderança da Fretilin nas próximas eleições gerais de 2007. Divergências entre governantes (os portugueses sabem-no bem) são frequentes mas não conduzem, por si, a situações de caos social. A integração na vida civil dos veteranos das FALINTIL não terá sido conduzida da melhor maneira, dando azo a descontentamentos susceptíveis de serem aproveitados politicamente. Nada disto, porém, pode explicar a situação grave que se vive em Timor. Em meu entender, ela deve-se em grande medida às pretensões neo-coloniais da Austrália, a quem desagrada a política autónoma e soberana que o Governo de Mari Alkatiri tem seguido. O petróleo e o gás natural têm sido a desgraça dos países pobres (que o digam a Bolívia, o Iraque, a Nigéria ou Angola). O governo australiano tem tentado obter o controlo desses recursos, retirando a Timor o que lhe compete pelo direito internacional. E o David timorense tem ousado resistir ao Golias australiano, subindo de 20% para 50% a parte que cabe a Timor dos rendimentos dos recursos naturais existentes no estreito, procurando transformar e comercializar o gás natural a partir de Timor e não da Austrália, concedendo direitos de exploração a uma empresa chinesa nos campos de petróleo e gás sob o controlo de Dili. Tudo isto suscita a ira da Austrália e, com ela, a hostilidade dos EUA. Assim se explica que tenham sido estes os dois países que se opuseram ao prolongamento da missão da ONU, inicialmente proposta por Kofi Annan. É preciso provocar a ingovernabilidade de Timor Leste, de modo a criar as condições para a imposição de um governo pró-australiano. E é possível que Ramos Horta, que sempre foi o homem dos australianos e dos norte-americanos, e que sabe não ter hoje o apoio do resto da região para a sua candidatura a Secretário-Geral da ONU, se preste a este triste papel.
A diplomacia portuguesa, que tem vindo a assumir posições muito corajosas que muito nos honram, entendeu com lucidez que colocar as forças da GNR sob o comando das tropas australianas seria legitimar a ocupação de um país independente por uma força estrangeira. Defender nesta crise a soberania do Estado de Timor Lorosae é defender a independência deste jovem país, a qual, para ser irreversível, necessita da nossa solidariedade.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos