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11-01-2017        Público    [ pág. 46 ]

Impõe-se conhecer a fundo o impacto das retribuições salariais dos trabalhadores abrangidos pelo SMN, mas jamais se poderá aceitar a prática de o Estado financiar empresas para pagarem o SMN.

Ao ler o Compromisso Tripartido para um acordo de médio prazo que consagrou o aumento do salário mínimo (SMN) para 2017, extrai-se a ideia de que o governo parece não querer ter um papel activo no desbloqueio da negociação colectiva (NC). Ora, foi precisamente a intervenção de diversos governos que, invocando o objectivo de revitalizá-la, conduziu ao actual bloqueio.

Desde a entrada em vigor do Código do Trabalho a 1/12/2003 (PSD/CDS), a caducidade unilateral das convenções colectivas tornou-se possível, bem como a reversão do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, o que rompeu com a tradição histórica nas relações laborais e desequilibrou-as a favor do patronato. Já em 2008/9 (PS), com Vieira da Silva como ministro, o governo interveio em nome de um equilíbrio, mas no final facilitou-se mais a caducidade e previu-se a adesão individual às convenções colectivas. A partir de 2011 (PSD/CDS), à boleia do Memorando da troika, o raio de ação da lei foi alargado, com o congelamento das portarias de extensão e a imposição de novas normas, o que conduziu ao descalabro.

De 2 milhões de trabalhadores cobertos em 2010, chegou-se a 213 mil em 2014. Em 2016, eram uns 600 mil. A duração média das convenções subiu de 12/24 meses até 45 meses. Com uma política de desvalorização salarial, a individualização da relação laboral, os salários estagnaram (a mediana era de 782 euros em 2015), condenando largas camadas da população ao empobrecimento, mesmo trabalhando.

Mais: o aniquilamento da NC teve dois efeitos demolidores. O SMN tornou-se uma espécie de salário nacional. Até setembro de 2016, mais de 37% dos novos contratados recebiam o SMN; e quanto mais isso aconteceu, mais os patrões pressionaram o Estado (os contribuintes) para compensar o “esforço” de pagar o SMN, limitando qualquer governo que queira dar dignidade ao valor do SMN.

O SMN e a NC são, pois, dois temas de uma situação. E, a julgar pelo acordo, o Governo deu sinais de se retirar do tabuleiro. Primeiro, cortou-se essa abordagem articulada; segundo, aceitou-se um insuficiente “compromisso bipartido de transmissão às estruturas integradas nos parceiros sociais” para adiar até meados de 2018 a denúncia de convenções colectivas; terceiro, reforçou-se a subsidiação ao patronato: maiores reduções da TSU patronal ao arrepio do acordo com o BE, PCP e PEV, incidindo também sobre os contratos a tempo parcial e ainda sobre salários até 700 euros (incluindo trabalho suplementar e noturno); quarto, retirou-se o compromisso para um SMN de 600 euros até 2019, havendo só para a “evolução progressiva do valor real”.

Estas opções, que vêm ao encontro das pressões neoliberais da UE e da OCDE – podendo significar que o governo quer ganhar tempo nessa batalha – são corroboradas por outras. Em outubro passado, o secretário de Estado do Emprego Miguel Cabrita declarou que, na NC, “não era possível regressar ao passado” anterior a 2003. A 12/12/2016[1], o ministro Vieira da Silva responsabilizou a “crise internacional” pela redução da cobertura da NC, escamoteando que uma das razões da paralesia foi exactamente a invocação da crise (tal como agora os patrões invocam incertezas internacionais para adiar planos de médio prazo). Vieira da Silva defendeu uma “forte” retoma negocial, mas acrescenta que “se essa retoma aconselha um quadro legislativo que a estimule, ela não pode ser imposta por decreto”.

Entretanto, o governo abriu uma janela. A 28/12/2016, já após o acordo, e com BE, PCP e Os Verdes a chamar o acordo ao Parlamento, Vieira da Silva se continuou a defender a figura da caducidade, afirmou: Transformar esse princípio “num instrumento negocial quotidiano é, a meu ver, preverter o espírito – que não na letra – do princípio da caducidade. (...) Porque isso introduz um princípio de desequilibro, e aí os sindicatos têm razão.” E apelou às partes para que se entendam [2].

Ora, isso não chega. A história desequilibrada [3] da concertação social foi a do condicionamento da NC. Com uma agravante: só um número limitado de acordos foi assinado por todas as confederações sindicais e patronais. Neles, inclui-se o acordo bilateral de 2005 para a dinamização da NC, em resposta ao declínio pós-Código. Era um apelo, mas não visava alterar o Código. E, como era de esperar, não fez História.

Tal como então, remeter a revitalização da NC para os parceiros sociais repetirá esse fracasso. Nesta discussão, há que encontrar soluções que até poderão ser inovadoras se todos partidos da maioria parlamentar se empenharem na sua construção. Impõe-se conhecer a fundo o impacto das retribuições salariais dos trabalhadores abrangidos pelo SMN, mas jamais se poderá aceitar a prática de o Estado financiar empresas para pagarem o SMN. O legislador não pode ficar paralisado, perpetuando a situação que o Governo reconhece como desequilibrada: deve garantir o mais rapidamente possível a reposição das condições de mínimo equilíbrio nas relações laborais, e conduzir a concertação social para um novo patamar de contributo estratégico para o desenvolvimento económico e progresso social do país.

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[1] http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/a-lei-da-negociacao---em-defesa-da-contratacao-coletiva?ref=HP_Destaquesopiniao2

[2] https://eco.pt/2016/12/28/eco-talks-com-vieira-da-silva-em-direto/

[3] Ver Campos Lima, Maria da Paz e Naumann, Reinhard (2011) “Portugal: From Broad Strategic Pacts to Policy-Specific Agreements in Sabina Avdagic, Martin Rhodes and Jelle Visser (Ed.) Social Pacts in Europe: Emergence, Evolution, and Institutionalization. Oxford University Press; 147-174.


 
 
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João Ramos de Almeida



 
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